Fourteen
Uma experiência irregular
Por Pedro Guedes
A palavra perfeita para descrever uma obra como “Fourteen” é irregular: por um lado, dá para perceber o apego que o diretor/roteirista Dan Sallitt tem pelo assunto que está abordando, servindo como uma espécie de janela que permite que o espectador acompanhe a chegada de duas adolescentes até a vida adulta; por outro, o cineasta demonstra uma autoindulgência terrível em diversos momentos da narrativa, esticando a duração de cada sequência até não poder mais e transformando o longa em uma experiência meio monótona. Em outras palavras: Sallitt aspira a uma grandiosidade à la Richard Linklater, mas não parece ter muita ideia de como controlar o tempo em si.
Encobrindo cerca de dez anos das vidas de duas mulheres, “Fourteen” gira em torno de Mara e de Jo Mitchell, que se tornaram amigas quando ainda estavam no colégio e, ao chegarem à vida adulta, seguiram caminhos distintos, porém não permitiram que isto as afastasse. Mara até consegue manter uma rotina relativamente estável e saudável – por outro lado, Jo vem demonstrando cada vez menos equilíbrio mental e emocional, fazendo as pessoas ao seu redor suspeitarem de uma doença psicológica. Assim, Mara acaba se aproximando ainda mais de Jo, que, à medida que o filme vai se desenrolando, vai expondo cada vez mais detalhes a respeito de sua condição atual. O nome do filme, aliás, não é por coincidência, já que o 14º ano da vida de Jo foi determinante para ela.
Ancorado por duas atuações eficientes, “Fourteen” traz Tallie Medel em uma performance sutil, mas fundamental: conferindo determinação e foco à maior parte das ações que Mara toma em seu dia a dia, a atriz transforma a personagem em uma espécie de “bússola moral” que, mais cedo ou mais tarde, acaba sendo parcialmente comprometida por alguns detalhes reveladores que vêm à tona. Já Norma Kuhling faz um ótimo trabalho ao exemplificar o estado emocional/mental de Jo, fazendo a personagem soar amarga, perdida em relação à própria vida e incapaz de enxergar uma saída para os seus problemas – e seria fácil, para Kuhling, limitar-se a uma ou duas expressões aborrecidas, mas… a atriz vai além disso.
Como dá para perceber, há um forte caráter emocional em “Fourteen”, já que: 1) trata-se de uma história que envolve uma amiga tendo que ajudar a outra; e 2) trata-se de uma história que acompanha o crescimento/amadurecimento de duas personas. O problema, no entanto, é que Dan Sallitt não parece fazer a mínima ideia de como controlar o tempo da narrativa: em uns momentos, tudo se desenrola de maneira terrivelmente arrastada; em outros momentos, situações que deveriam ser enfocadas com calma e cuidado são abordadas de forma apressada e superficial. Um exemplo disso encontra-se na transição do segundo para o terceiro ato: quando a trama finalmente parece estar chegando a um ponto crucial e determinante, o espectador é pego de surpresa por um salto temporal que faz a história avançar alguns anos. Assim, quando reencontramos as protagonistas, a vida de pelo menos uma delas já mudou consideravelmente – e a frustração fica para o público, que não pôde acompanhar esta mudança.
Mas nada prejudica tanto “Fourteen” quanto a autoindulgência de Sallitt: aparentemente incapaz de rodar um plano e de concluir que este pode ser descartado na hora da montagem, o diretor parece se sentir obrigado a mostrar tudo que gravou no set de filmagem e – o mais decepcionante – ainda acredita que a duração de uma cena reflete automaticamente sua densidade dramática. Ou seja: para Sallitt, o simples fato de durar pelo menos uns cinco minutos é mais do que suficiente para que um plano torne-se genial, confundindo “tempo” com “profundidade conceitual” – e me desculpem, mas… qual a necessidade daquele plano geral estático que enfoca o estacionamento de uma ferroviária por sei lá quantos minutos? Mal dá para ver uma das protagonistas naquela cena!
No fim das contas, a impressão que fica é de que “Fourteen” é uma obra que tem o coração no lugar certo e que dá início a algumas discussões que poderiam chegar a lugares interessantes, porém acaba desperdiçando o potencial de sua premissa ao se julgar bem mais profundo do que é de fato. Os temas que o filme propõe são interessantes, mas acabam ficando espalhados no meio de uma narrativa sem foco, extensiva e desestruturada.