Fé Para o Impossível
Acreditar ou não acreditar, eis a questão universal!
Por Fabricio Duque
Em religiões em geral, e quase sem exceções, seus praticantes só possuem duas opções: acreditar incondicionalmente na força divina ou acreditar incondicionalmente, porque o mínimo resquício de dúvida é visto como heresia, como falta de fé. Assim, quanto mais a crença for absoluta e inabalável de que tudo dará certo e de que Deus proverá o que for preciso (inclusive “mover montanhas”) mais esse participante é considerado mais religioso, mais devoto, mais filho do Altíssimo, mais estará em “dia” com o Reino dos Céus. E caso esse servo (em processo às impurezas do “demônio”) “derrape” e questione os desígnios do Criador, pode sofrer as consequências, não só do banimento da igreja, mas principalmente ter todos os olhos julgadores de todas as outras “ovelhas do rebanho”. Sim, o filme “Fé Para o Impossível” é exatamente sobre isso: sobre crer totalmente no poder da oração, que com a de todos juntos chega bem mais rápida a Deus e assim o ser supremo consegue operar mais rapidamente o milagre em quem pede o benefício.
Dessa forma, a condução narrativa de “Fé Para o Impossível” precisa ser mais estruturada nos moldes de uma novela popular mais emocionada e pautada no sentimentalismo ingênuo, como se fosse o púlpito de um culto, para que assim consiga atingir o seu público-alvo, os crentes. Sim, vamos ser sinceros aqui: o filme tem direcionamento específico aos que já acreditam, ainda que queira “tentar a sorte” com novos possíveis membros. Baseado numa história real que aconteceu no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, e que gerou o livro “Dê a volta por cima”, dos norteamericanos pastores Philip e Renee Murdoch, os mesmos atores reais (que aqui são interpretados pelos atores Dan Stulbach e Vanessa Giácomo) que sofreram a tragédia que foi considerada um milagre de Deus, o longa-metragem, além das referências anteriores, é também um produtor de conteúdo, por exemplo, o próprio título desta obra também gerou a música homônima cantada por Eli Soares.
Dirigido por Ernani Nunes (do “não cristão” “Gostosas, Lindas e Sexies” – um que “Sex in the City” abrasileirado, e do cristão “No Ritmo da Fé”), “Fé Para o Impossível” é uma crônica intimista de experiência religiosa. Ainda que este filme queira modernizar e reconfigurar o discurso evangélico, o deixando mais pop, com suas músicas de rock gospel, e/ou incluir questões coloquiais da vida em Cristo (o filho que se perde a fé; a família “comercial de margarina” desmoronada), o mesmo não consegue fugir do tom açucarado, didático, ingenuamente pragmático e de auto-ajuda persuasiva), porque é nisso que reside a essência de toda obra e de todo argumento da igreja. Mas esta obra é também para os ateus e ou praticantes de outras religiões? Para essa difícil pergunta, que ficará retórica por enquanto, preciso retroceder um pouco e adentrar em alguns tabus. Um deles é que a religião, independente de qual for, precisa ser dogmática e com regras rígidas muito bem definidas. A liberdade não é uma opção e sim a devoção plena e irrefutável a Deus, que ajuda aos que têm fé (e quem “cedo madruga”), mas pode punir na falta da crença. Para aceitar essa condição, é realmente que o desespero fale mais alto. Que a vulnerabilidade ganhe da racionalidade. Para funcionar, é preciso que se esteja integralmente entregue às ordens pré-determinadas pelo pai celestial.
“Fé Para o Impossível” segue exatamente essa linha. Quer imprimir aqui o passo-a-passo para receber o milagre de um acontecimento paradoxal que envolveu um casal de pastores norteamericanos. Um morador de rua, com crise psicótica, atingiu brutalmente a esposa e recebeu o perdão (que por sinal a cena mostrada é forte, bem construída e dotada de violência sensorial não suavizada). Sim, tudo aqui potencializa à superexposição dos valores morais, os mais intrínsecos e genuínos, da família tradicional (que prefere “viver em uma bolha”). O filme quer também desconstruir um pouco essa felicidade pela percepção da toxicidade (de que “crer hard” que “as coisas irão melhorar”) e de que “não há problema nenhum em chorar” (e “demonstrar fraqueza perante a Deus”). Qual o problema de se sentir humano e triste de vez em quando? Pois é, essa é a verdadeira pergunta-questão dessa parábola moderna em tom de crônica de estudo intimista de caso (de análise do cotidiano rotineiro e protocolar).
A um evangélico, a forma narrativa de “Fé Para o Impossível” atende seus princípios e essas ovelhas não se importam com os cortes mais amadores, óbvios, previsíveis e os pululantes gatilhos comuns da trama (e de efeitos já consolidados: “Se não der cero é porque ainda não acabou” e/ou “Por que acontece tanta coisa ruim a gente boa?”), que facilitam sua condução sem inovações técnicas. O que se apresenta é a sustentação pelo básico nos preceitos da coragem, amor, perdão, sacrifício e fé. Ainda que esses cristãos abordados estejam longe da perfeição e se comportem bem “arrogantes” por serem ricos e “afastados do que pregam”. E aos que não são evangélicos, talvez budistas, kardecistas e ou os agnósticos, será que conseguem encontrar cumplicidade na edição repleta de flashbacks e câmeras lentas? De que um “exército” de salvação por si só já salva a pessoa acomodada com a graça divina? Pois é, ponto para o filme que cria um embate religioso com o espectador, que adentra internamente em uma série de questionamentos motivantes que definem o acreditar ou não na força cósmica invisível.
Sim, também sabemos que o cérebro do ser humano precisa de uma resposta, de um descanso, de uma ilusão que o acalme para que assim possa realizar outras tarefas e automatizações. Pois é, “Fé Para o Impossível” é uma imersão panfletária no universo evangélico e talvez, por isso, tudo aqui tenha que ser visto como uma maior liberdade poética e cúmplice para que o contexto funcione. Mas será que precisamos ser condescendentes com esses tipos de obra? Ou por empatia e respeito deixar o filme sem cotação, crítica e nenhuma elucubração negativa? Talvez a resposta venha mesmo da irracionalidade do não saber nada e só seguir o fluxo da boiada.