Eternal
Um filme com fissuras demais
Por Fabricio Duque
Durante a Mostra de Cinema de Roterdã 2024
Não, não é fácil mesmo fazer um filme. Seu diretor, o “pai” da obra, precisa construir camadas e camadas de conexão. E transformar todas as suas ideias conceituais em narrativa. Esse diretor precisa também ter a perspicácia e o distanciamento da própria criação para incorporar e desistir de elementos não funcionais, mitigando toda e qualquer ilusão de ego e muito menos de ostentação narrativa, visto que a base de tudo deve ser autoral. Mas parece que “Eternal – For Evigt”, integrante da mostra Big Screen do Festival de Cinema de Roterdã 2024, a ideia da fama imediata tornou-se uma obsessão de seu diretor Ulaa Salim (de “Filhos da Dinamarca” – disponível no streaming Prime Video). “Eternal – For Evigt” é um daqueles filmes que querem se enquadrar nas características padronizadas, muitas calculadas por algoritmos, por exemplo, dos produtos Netflix, em que seu diretor tenha medo de errar na tradução de suas ideias, e assim construa sua arte de forma literal na tentativa de se salvar de algum suposto fracasso por ter “inventado” demais.
Sim, havia esperança e potencial em “Eternal – For Evigt”. Seu início nos fazia crer que seríamos conduzidos pela estrutura do cinema independente subjetivo, que sairia do senso comum para contar uma história sobre o fim do mundo. Mas não. Como disse, o realizador Ulaa Salim preferiu seguir os passos de Christopher Nolan, especialmente em “Interestelar”. E assim construiu uma narrativa pululada de gatilhos comuns, extremamente previsível e constantemente facilitada pela roteiro. Ao pautar essa catástrofe ficcional unicamente pelo tom da ação, só que projetando o conceitual, “Eternal – For Evigt” expõe fragilidades e inseguranças. Aqui, há mais ingenuidade que pretensão. Há sim uma cinefilia entranhada que homenageia sugestivamente “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick, e/ou Andrei Tarkovsky em “Solaris”, por exemplo, e/ou o sensorial etéreo de Terrence Malick. Contudo, neste filme em questão parece que se quer fazer uma reconstituição.
“Eternal – For Evigt” embasa-se no gênero da ficção científica para contar uma história de amor, cuja intimidade desse romance (ela, com atitude para conseguir uma bebida em um bar, e ele, mais introspectivo e desajustado socialmente – vivenciam a experiência de dinâmica de casal por questões triviais e clichês – como tentar descobrir que cada um gosta e por fofas brincadeiras-desafios de barulhos de animais) é abalada pela “missão” do protagonista em “salvar o mundo” (terremotos e rachaduras “fraturas” no eixo central da Terra). É um filme de instantes fragmentados, muito parecido com a estética de “trailer estendido” de “Oppenheimer”. Então, acompanhamos, por cortes rápidos da narrativa, flashbacks explicativos, ora prévios, ora do futuro. Toda essa mise-en-scène que busca a metafísica torna a obra mais distante, bem mais difícil de acessar e criar uma conexão direta com as personagens, que dialogam por ensaios não naturalistas e ações-reações mecânicas. Ainda que o filme busque em alguns momentos se livrar do estigma moralista presente nos filmes de Hollywood, como, por exemplo, apresentar a nudez coloquial, ainda assim sua essência está no medo do fracasso. Para isso, é preciso que a obra se force todo o instante para provar valor, inventividade e ser natural, causando inevitavelmente ansiedade e afobamento na resolução das reviravoltas, que cada vez são mais soltas, mais melodramáticas e mais teatralizadas. Há conflito no trabalho, há gravidez, há possibilidade de aborto, há choro com os pais, há histeria e há mais reviravoltas, ainda mais previsíveis, que geram mais conflitos. Sim, um “terremoto” de acontecimentos paralelos. Parece até “A Origem”. Como o diretor consegue lidar com tudo isso? Só “injetando” muito Nolan na veia mesmo e todos os artifícios narrativos disponíveis e já aceitos pelo grande público.
“Eternal – For Evigt” não se assume como artificial. Talvez esse seja seu maior erro. O roteiro prende-se na ideia do que quer ser, mas não consegue sair dar vida às linhas. O filme também pode ser traduzido como uma obra de capítulos, visto suas pausas, seus recomeços e seus reencontros. Não satisfeito em agradar ao público, o roteiro usa sua última cartada: a do moralismo familiar. A de que um aborto “parece errado”. E sim, “Eternal – For Evigt” aproxima-se mais de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” em seu final ao criar a aura da livre interpretação e pela “viagem” psicodélica. Será um universo paralelo? Loucura? Vida após a morte? Projeção mental do querer de uma vida perfeita e da melhor escolha? Um lugar seguro e eterno para morar? Não sabemos, a ideia fica no ar. “Eternal – For Evigt” é assim: com fraturas à espera do fim vazio.