Estados Unidos vs Billie Holiday
Lee Daniels e sua...
Por Vitor Velloso
Hulu
“Estados Unidos vs Billie Holiday” de Lee Daniels é um filme típico das grandes premiações norte-americanas. Um produto industrial que se utiliza da fórmula Hollywoodiana para se beneficiar com louros da Academia. Por mais que possua uma trama de suma importância histórica, eleva os arquétipos como modo único de representação e busca eternizar os momentos dramáticos com escolhas estéticas que realcem sua padronização.
O início busca introduzir a protagonista, Billie Holiday, que iremos acompanhar até os últimos dias de sua vida. Mas a versão estadunidense das biografias produzidas pela Globo não consegue desvincular o projeto com aquilo que a máquina imperialista conduziu como forma única de linguagem. Cedendo aos clichês mais bregas, o longa vai perdendo força conforme estrutura uma exposição que visa utilizar muletas para sustentar a própria narrativa. A música que é o motor da obra, “Strange Fruit” surge como uma projeção da opressão estatal mas possui um tratamento paralelo diante da vida da artista e de sua perseguição explicitamente racista. O filme tenta traçar um paralelo para construir a trajetória da cantora com parte do genocídio norte-americano, mas falha em ambos os lados. Não consegue tratar da artista, da pessoa, nem dos EUA. As múltiplas tentativas multidirecionais findam um projeto frágil e arrastado que possui como clímax uma espécie de videoclipe que se encerra em um close de performance direta.
O projeto direcionado ao Oscar, cria uma ruptura na própria articulação ao concretizar suas piores decisões como recursos estilísticos particulares. O devaneio entre realidade e memória, soando como videoclipe, reforça o intuito apelativo de certas sequências, quando os próprios acontecimentos são suficientes para reforçar aquilo que a protagonista fala insistentemente. Se “Estados Unidos vs Billie Holiday” conseguisse centralizar alguns de seus temas, poderia criar uma base performática mais sólida e menos dependente de uma fórmula pronta para o Oscar. Mas a constante uníssona de um ciclo que só pode ser encerrado em sua personagem, faz com que a própria ideia da perseguição esteja ligada à música apenas e artista em si e não à todo um ódio generalizado ao povo negro. Essa bolha me parece ter um propósito muito claro, de viabilizar a notoriedade para grandes premiações.
A escolha realça diversas fragilidades do roteiro em saber lidar com o drama entre o casal, a maneira com que Holiday lida com a perseguição, seus vícios etc. Além disso, a glamourização de sofrimento é constante, mesmo no leito de morte, o filme insiste em uma representação novelesca com luzes de embelezamento e preenchimentos de cenário. Lee Davies é um especialista em projetos como este e demonstra, novamente, seus problemas. O grau de exposição é uma mimesis da indústria e uma tentativa de estetizar a narrativa para campos pictóricos. Essa busca em unilateralizar sua política em graus individuais, faz com que a própria cadência fique em um looping constante de necessidades mercadológicas.
O título do filme aparenta traçar uma narrativa distinta da que vemos projetada na tela, até a questão da perseguição dialoga com uma zona de conforto, utilizando uma questão dramática particularmente rica para a história, de maneira pouco efetiva. E este sentimento é o que domina as 2h e pouco de exibição, uma lentidão assombrosa com inúmeras cenas que poderiam se tornar interessantes se trabalhadas de maneira distinta. “Estados Unidos vs Billie Holiday” é um exemplo de como a indústria engole projetos com potencial bom. Se tomarmos de exemplo “A Voz Suprema do Blues”, lançamento recente na Netflix, fica explícito que a honestidade ao tratar de um assunto político, nem sempre está em imensas epopeias que visam abarcar uma quantidade enorme de assuntos, mas a economia na articulação.
O filme, exibido e assistido pela Hulu, sofre com sua ambição e desliza em todos os assuntos que visa. Consegue até ser provocativo e incômodos em determinadas cenas, mas seu engessamento industrial, aliado de um ritmo entediante, faz com que a obra seja facilmente esquecida. Uma investida comercial que rende algumas indicações, com bocejos e uma tendência melodramática que arrebata até a interpretação de Andra Ray.