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Espero Que Esta Te Encontre e Que Estejas Bem

Querido Espectador,

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Brasília 2020

Espero Que Esta Te Encontre e Que Estejas Bem

Querido Espectador,

Há quem diga que a memória é uma caixinha de surpresas e que talvez seja a única forma de acessar nossas verdades existenciais mais básicas. Esta não é apenas uma análise crítica sobre “Espero Que Esta Te Encontre e Que Esteja Bem”, da diretora estreante Natara Ney, filme, da mostra competitiva oficial do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, (cobertura diária aqui), que abriu a quinquagésima terceira edição no Canal Brasil na noite de ontem. Não, é, muito mais, sobretudo, uma carta que se comunica com nossos saudosismos de uma passado “sempre” referenciado como a “melhor época”, talvez pelas elipses-sinapses de vivências nostálgicas e temporais que escolhem e “aumentam um ponto” na importância das lembranças.

Em “Espero Que Esta Te Encontre e Que Esteja Bem”, Natara conduz seu público pela narrativa “redondilhas” do afeto ao imprimir no roteiro, com supervisão de texto da escritora-poeta Adriana Falcão, uma aproximação orgânica, pessoal, sentimental, sensível e liberta das fronteiras características do documentário. Aqui, a vida real é uma construção ficcional da própria existência ao buscar histórias felizes de amor e a verdade subjetiva das emoções. Nós somos convidados a participar de universos caseiros, em um road-movie de situações, investigativo-curioso, que tenta descobrir bifurcações-atalhos das “variações do amor que não suporta meio termo”, entre “caminhos roubados do futuro dessas pessoas”, “memórias descartadas” (“tudo termina no lixo”) e alegrias à espera do final-clímax.

“Espero Que Esta Te Encontre e Que Esteja Bem” surge pelo “tesouro” encontrado de 186 cartas de amor na feira de antiguidades do Rio Antigo na Praça XV, no Rio de Janeiro, e, assim, despertou a necessidade-urgência do filme. Por imagens de arquivos, fotos familiares, encontros, viagens a Campo Grande no Mato Grosso, a obra transcende a sensação etérea do lembrar. As cartas, além de se apresentarem como documentos factuais, remetem também a uma época em que a “espera” pela resposta gerava “angústias”, “atormentadas pela saudade”. “Os sentimentos eram mais lentos e mais profundos”, diz-se. Tudo é imagem e história, material bruto “cimento” de toda vida. Uma “cápsula do tempo”, como se estivesse “invadindo outro território ao ler as cartas”.

Caro espectador, nós também somos estimulados a referências cinematográficas, por retirar do tempo sua materialidade fidedigna. É inevitável não viajar a “Central do Brasil”, de Walter Salles, e comparar Dora e os eternos Brasis do Brasil; a “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, este, especialmente, por se assemelhar a narração voice over (intercalada pela edição de Karen Akerman e Mair Tavares e seus instantes fragmentados) da própria diretora (que pontua interferências de visita).

“Hoje, tudo é deletável e as pessoas esquecidas”, diz um personagem, impulsionando outras questões, como a de que cada vez a simplicidade das “pequenas coisas” corre a um “progresso” que mitiga essências e afetos. “O que se perde com o tempo? Onde vai parar o amor que não se deu? Quando mais o calor sai e o olhar chega?”. Ao acessar essa memória real (datada e incompatível com o que se é no agora), refugiada e protegida da vulnerabilidade do confronto com a veracidade nua e crua (visto que guardamos o que queremos relembrar), os seres, enquanto humanos parciais, podem encontrar gatilhos que desencadearão novas emoções e novas antropologias comportamento-culturais, por exemplo, a diferença de tratamento entre estados do Rio de Janeiro (“relação protocolar”) e de Mato Grosso (“atenção receptora”).

Sim, caro espectador, assim como Natara, preciso fazer uma pontual interferência de minha memória afetiva. Todo ano, próximo a meu aniversário, sinto um aumento saudosista (quase melancólico) da infância. Para suprir esse sentimento, compro algum brinquedo para tentar sentir exatamente a felicidade desmedida e plena de quando era pequeno. Quando o produto chega e entro em contato com essa “cápsula do tempo”, sinto cheiros, texturas e momentos tele-transportados à emoção do agora. “Espero Que Esta Te Encontre e Que Esteja Bem” é exatamente sobre isso, reencontrar os sentidos do antes, como um acalento, uma litania litúrgica da lembrança (“distância é sentimento”).

“Espero Que Esta Te Encontre e Que Esteja Bem” surge pelo “tesouro” estreia após dez anos de preparação com uma equipe majoritariamente de mulheres. O documentário, ainda que abrace muitos caminhos sociais, segue à risca, e com foco, o objetivo maior que é o encontro de um final feliz, como que se encerrasse os epitáfios dessas vidas acompanhadas por curiosidade documental. É um filme que acorda o sentir, pausa o tempo, embarca em “universos paralelos”, tudo para nos estimular com desejo passional a vontade de escrever cartas.

Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 2020

Beijos e Vida Longa ao Filme!

Fabricio Duque

4 Nota do Crítico 5 1

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