Mostra Um Curta Por Dia 2025

Escrevendo Hawa

A força das mulheres afegãs através do cinema

Por Clarissa Kuschnir

Assistido durante o Festival É Tudo Verdade 2025

Escrevendo Hawa

Um avião pousando em Paris é o ponto de partida para uma história de superação de uma mãe afegã, que resolve recomeçar um nova vida. A chegada na cidade luz é vista na tela pelos olhos da cineasta Najiba Noori que chega sozinha na capital francesa e que no decorrer do impactante e emocionante longa-metragem “Escrevendo Hawa” narra os desafios de sua família, em meio à volta do regime Talibã no Afeganistão, que reassumiu o poder em 2021 (conhecido como “A Queda de Cabul”) depois que as tropas americanas se retiraram do país. Mas antes desse triste e trágico episódio que toma conta novamente do país, nós conhecemos Hawa, a mulher que encorajou uma filha, a levar sua história para o mundo. 

E assim Najiba, que começou com sua câmera na mão a filmar sua mãe em 2019, mostra a vida de uma mulher que vive com a família em Cabul e que teve pouca chances na vida, como muitas das mulheres afegãs de sua geração (principalmente nas pequenas cidades em que são obrigadas a se casar forçadamente e, na maioria das vezes, com homens bem mais velhos do que elas). No caso de Hawa, seu marido é 30 anos mais velho. Do casamento arranjado ainda na adolescência, forma-se uma enorme família, com seis filhos. 

Dessas primeiras filmagens, “Escrevendo Hawa” capta uma Hawa cuidando de seu marido, que sofre de demência. Mas a doença degenerativa do marido não é barreira para que Hawa comece a se alfabetizar, aprender o artesanato local e se tornar uma empreendedora. Até aí é muito bom acompanhar a protagonista que se descobre e que luta por um futuro diferente, já que naquele momento o país ainda estava aberto para que as mulheres pudessem viver com mais liberdade. Há até uma cena em que Hawa pinta seus cabelos em um salão de beleza, onde ela sai de lá se sentindo remoçada. Hawa nem tem tanta idade assim, mas os cabelos brancos e os sofrimentos da vida, dão-lhe uma aparência envelhecida.  Justamente por nunca ter olhado para ela mesma.  A vida inteira dedicou-se ao marido e à família. 

E para nós ocidentais é difícil compreender um regime sempre tão repressor para as mulheres, mesmo após a abertura do regime, como no Afeganistão. Mas é a realidade, e isso se vê bem no longa de Najiba. O que traz um desconforto enorme. E esse desconforto se complementa com a vinda da pandemia em 2020, e meio a isso, seu país, que se abriu durante vinte anos para mulheres ganharem oportunidades de voltar às escolas desde pequenas e que estavam desempenhando várias profissões (antes voltadas apenas para o homens), voltasse à estaca zero. A própria Najiba, criada de uma maneira bem mais liberal, tornou-se jornalista, e precisou abandonar seu país e sua câmera para se refugiar na Europa.  

Em “Escrevendo Hawa” vemos que isso tudo não a impediu de continuar seu projeto através do olhar de um de seus irmãos, que se arriscou para dar continuidade às histórias de sua mãe. E o resultado deste projeto é uma obra muito próxima de alguém que parece fazer parte de nossa família. Não tem como não se comover com as mudanças da personagem, que durante dois anos se propôs a moldar seu futuro, sem deixar de cuidar de sua família. “Escrevendo Hawa” é, acima de tudo, uma lição de esperança de alguém que mesmo não tendo se casado por amor (ela amava mesmo era o primo), se mostra uma mulher inquieta, querendo mudar o mundo, mesmo em um país tão repressor, sendo uma mãe e avó dedicada.  E mesmo com seus sonhos interrompidos por causa da volta dos Talibãs, ela não deixa de ter esperança e de poder estar longe dali e rever novamente, sua filha refugiada. 

E a Paris dos sonhos de muitos onde Najiba se encontra refugiada e consegue reencontrar sua família está longe de ser vista, como umas das cidades mais visitadas do mundo. Em “Escrevendo Hawa”, a diretora filma através das janelas. Seja da sua chegada no aeroporto, como citei logo no começo do texto, até os dias mais atuais, de um prédio. A cineasta quer deixar bem explicito sua vontade de retornar ao Afeganistão. Afinal de contas é a sua terra, é a sua origem e a sua liberdade, o bem mais precioso para um ser humano. Este filme é sua denúncia.

5 Nota do Crítico 5 1

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