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Era Uma Vez Um Sonho

Virtuosismo dos atores

Por Fabricio Duque

Netflix

Era Uma Vez Um Sonho

Ainda que sejam corroboradas todas as características do cinema americano no gênero melodrama, como os conflitos de uma família disfuncional à procura do “sonho americano”; o patriotismo exercido apesar de todo descaso governamental; o conservadorismo binário do comportamento social; a trama que se intercala com digressões do passado; as reações potencializas no sentimental; o maniqueísmo moralista das consumistas relações afetivas; o excesso dos dramas para encenar o submundo-periferia-cão; o comentário preconceituoso com os interioranos; a namorada que o mantém acordado enquanto dirige pelo telefone; a musica norteadora de condução à emoção primária do espectador, ainda assim, “Era Uma Vez um Sonho”, do realizador Ron Howard (de “O Código Da Vinci”, “Ed TV”, “Cocoon”, “Splash: Uma Sereia em Minha Vida”, “Uma Mente Brilhante”) apresenta sua maestria especialmente por ser um filme de atores, neste caso, atrizes, que desnorteiam o público com suas interpretações potentes, entregues e sem vaidades. Amy Adams, que encarna a mãe dependente química, e Glenn Close, a avó, que “segura o rojão” das consequências trágicas, não só equilibram o caminho narrativo, como ditam as regras da jornada do longa-metragem, que estreou ontem na plataforma digital Netflix, após uma semana nos cinemas brasileiros.

Baseado no livro homônimo de J.D. Vance (que conta a história real de sua vida, o filho-neto – aqui interpretado pelo ator Gabriel Basso), “Era Uma Vez um Sonho”, adaptada por Vanessa Taylor (de “A Forma da Água”, “Divergente”), busca protagonismo na superação. De que tudo é possível para vencer as adversidades. Tudo aqui é pensado e arquitetado para atingir a emoção dos corações mais “brutos”. O artifício da auto-ajuda, de parábola-redenção, encontra apoio na trilha-sonora de Hans Zimmer (de “Blade Runner 2049”, “Dunkirk”, “A Origem”, “O Código Da Vinci”, “O Rei Leão”), que preenche os silêncios como uma proteção de ilusão ficcional, fazendo assim que o espectador sempre tenha uma imersão parcial a essa realidade. É também uma obra que se moldou a cumprir todas as “exigências” e “regras” de um filme de Oscar. Se analisarmos cena à cena, então poderemos perceber que para cada sofrimento, há um gatilho comum de alívio cômico  e/ou de algum sermão-conversa que norteará o personagem à deriva.

Como já foi dito, a virtuosidade de “Era Uma Vez um Sonho” está no trabalho irretocável em seus atores, mesmo que todos se pautem nos limites de até onde se pode ir. Amy Adams é a mãe-problema (uma “mulher sob influência”). Viciada em remédios por trabalhar anos como enfermeira. Glenn Close é a avó típica que, resignada, busca formas paliativas de contornar as complicadas situações. Gabriel Basso (adulto) é o protagonista-perspectiva J.D. Vance, que divide elipse temporal com Owen Asztalos (jovem). O que o espectador recebe é uma antropologia moderna dos comportamentos dos norte-americanos. As classes menos favorecidas precisam batalhar mais para entrar (e pagar com bolsa de estudos) na faculdade, sofrem com o sistema de saúde, não encontram lugares para reabilitação (e as vagas ainda são custosas), tudo expõe um país terminal um povo instável emocionalmente. Que a solução é se refugiar nas drogas, gerando um ciclo vicioso de impedimento ao futuro. Dessa forma, as cenas amenizam e respeitam “fronteiras” sentimentais dos próprios conterrâneos. Sim, é uma obra destinada aos Estados Unidos. E que só eles sabem como denunciar uma questão sem ultrapassar a ética do politicamente correto imposto e cúmplice.

“Era Uma Vez um Sonho” é também um filme de cenas. De algoritmos equilibrados a fim de dosar extremos. De esquetes sentimentais. De melodrama, que ora se desenvolve pela comoção, ora pelo aprofundamento da violência psicológica-física. Como se fosse um “morde e assopra”. Após um tapa, por exemplo, uma palavra de afeto é encorajada. Seu diretor Ron Howard disse em uma entrevista à revista Deadline que pensou o filme como um “épico emocional”. Especialmente pela narração como um conto. “Minha mãe era de uma cidade muito pequena e meu pai era um menino de fazenda, e quando li este livro percebi que estava realmente procurando uma história que pudesse contar, que permitisse aplicar minha própria sensibilidade a esse aspecto de nossa cultura americana, com a qual realmente me identifico por meio de minha família, de uma forma que essas pessoas pensam, se comunicam e tomam as decisões que tomam e vivem de acordo com os códigos pelos quais vivem ”, complementa.

3 Nota do Crítico 5 1

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