Entrevista com Alice Riff
Diretora detalha a produção de “O Policial e a Pastora”
Por Pedro Sales
A diretora Alice Riff estreou, durante o Festival Olhar de Cinema 2023, o seu quarto longa-metragem “O Policial e a Pastora”. Formada em Cinema (FAAP) e Ciências Sociais (USP), a cineasta também realizou “Meu Corpo é Político” (2017), vencedor o prêmio de melhor filme brasileiro no Olhar de Cinema e disponível na plataforma digital do CineSesc, “Eleições” (2018) e “Platamama” (2022) e foi produtora executiva do documentário “Histórias que Nosso Cinema (Não) Contava” (2017). Ao longo de sua carreira, Riff sempre esteve ligada aos documentários, algo que talvez remeta à sua formação acadêmica. Neste sentido, seu novo filme também possui essa carga social bem delineada. Contrapondo personagens complexos, o policial Alexandre Félix e a pastora Valéria Cristina, a diretora faz um retrato de tipos que fogem ao padrão ideológico predominante nesses espaços: a Polícia Militar e igrejas evangélicas. Ou seja, em vez do conservadorismo, a defesa de pautas consideradas progressistas.
“Eu parti de tipos sociais e fui de encontro a dois representantes deles. Era um desejo meu enfrentar dois personagens que poderiam ser muito complexos”
Para Alice Riff, a complexidade dos personagens surge pelo caráter questionador que ambos possuem. Os enfrentamentos, porém, não se restringem apenas ao confronto ideológico que travaram contra suas respectivas organizações. A diretora sentiu na pele que essa característica é própria de Alexandre e Valéria. O ato de questionar, aliás, se manifesta nas filmagens do filme, quando os dois questionam os rumos narrativos do longa e sugerem eventuais cortes. “Quando eu me encontrei com eles, achava muito interessante me encontrar com personagens que são questionadores. Eles tinham ressalvas às minhas ideias, queriam esse controle da imagem. Foi isso que me chamou a atenção”, explica.
Dessa forma, a negociação entre diretora e personagens se torna parte fundamental do filme. A cineasta, inclusive, opta por incluir no documentário esses momentos. “No processo, eu comecei a ter muito mais vontade de filmar a negociação do que de fato fazer um retrato sobre cada um. E o retrato acaba que é construído a partir da negociação, a partir do Alexandre falando: ‘Não me interessa tal tipo de retratação minha’. Então, o que eu mais achei interessante era a própria negociação, mostrar que eles estão disputando a imagem”, conta a cineasta.
“Para mim, na verdade, é uma reflexão que eu venho fazendo. Os personagens do filme precisam ter consciência do que estão participando, do processo. E hoje as pessoas têm a consciência disso, porque produzem imagens, todo mundo tem sua própria rede social. Então, eu acho que é um sintoma desse nosso tempo”.
“Para mim, quando o filme sai exatamente igual ao projeto, ainda mais quando a gente fala de documentário, é porque ele deu errado”
A frase acima diz respeito às mudanças ao longo do processo de “O Policial e a Pastora”. Existem, então, vários fatores que podem mudar o planejamento de um filme. A diretora define o projeto inicial como: “estar com a Valéria, ela jantando com os pais e tendo um embate com o irmão dela, pastor bolsonarista, e o Alexandre na delegacia”. No entanto, essa ideia aos poucos foi se enfraquecendo na mente da cineasta. Assim, ela direcionou a narrativa nos dois encontros e no retrato dos personagens. Quando questionada do porquê manter a câmera restrita aos apartamentos e não buscar as respostas para as eventuais perguntas, Alice Riff responde:
“Eu gosto muito dos segredos que os personagens guardam, tipo quando a filha dele até fala assim: ‘Meus amigos perguntam se você já matou alguém’. Mas a minha ideia não era concluir tudo, eu estava muito mais interessada no encontro e nessa tentativa de construir o discurso, de entender como eles estavam se encaixando no mundo. A minha ideia não foi me basear em fatos concretos, mas construir esse pensamento”.
Outro aspecto determinante da obra, além do retrato construído por meio dos encontros e as negociações pela imagem, é o uso de diários e cenas em que o policial e a pastora leem. Alice Riff esclarece como este elemento foi inserido na trama. “Tanto o Alexandre quanto a Valéria, os dois escrevem. Então, esses textos do Alexandre, esses diários, ele publica. Foi assim que eu me alimentei para construir esse personagem na minha cabeça, então eu já sabia desses textos”, conta. “Já a Valéria, ela tem um livro que é a biografia da fundadora da Assembleia de Deus (Frida Strandberg) . Quando eu li o livro, eu via que parecia que quando ela falava da Frida, ela estava falando dela”.
Por fim, a cineasta conclui que vê diferenças entre seus personagens em relação ao foco narrativo: “Ela recusa o protagonismo, ao mesmo tempo que ele é super envaidecido, ele tem o controle total do discurso. Eu vejo esses opostos muito claros”.