Ensaios de Cinema
O cinema-homenagem em quinze atos
Por Fabricio Duque
Lumen - Festival de Cinema Independente do Rio de Janeiro 2025
O que é o cinema? O que uma imagem em movimento representa? Um conceito ou uma narrativa sem palavras? A arte filmada dos Irmãos Lumière buscava ser uma tentativa documentada de uma realidade coloquial do que se a gente costuma ver, automatizada. Isso causava uma sensação, um deslocamento imersivo, uma alteração perceptiva advinda de novas formas do olhar. É por conta de todo esse preâmbulo que é quase impossível descrever experiências de vídeo-arte, ou cine-arte, que os realizadores cariocas e casados, Cavi Borges e Patrícia Niedermeier, criam, numa provocação atravessada de uma metafísica sensorial, de abrir mundos paralelos, cinéfilos e “estranhos”. No novo filme “Ensaios de Cinema”, em sessenta minutos, a dupla homenageou mestres da sétima arte, por construir o etéreo no palpável.
“Ensaios de Cinema” é também um série de reconstituições em mini-curtas. De ressignificar por “exemplos” esses olhares subjetivos, tão individuais a quem sente. É a ideia traduzida pelo direto e por um preciso poder de síntese para que o verdadeiro significado da mensagem seja passada. Cada esquete representa elementos típicos e característicos da atmosfera e/ou do fazer cinema de cada diretora e cada diretor. Cavi e Patricia nos ofertam uma “viagem” que evoca nossas memórias afetivas mais cinéfilas, envolta numa sequência de exercícios de linguagem, câmera, luz e som. Mais puramente não ainda condensadas no conforto que limitamos aos nossos olhos.
Nós somos conduzidos por 14 cine-artes e 1 prólogo, que prestam tributo a Helena Ignez, com inspiração no curta “O Pátio”, de Glauber Rocha; David Lynch, inspirado na série “Twin Peaks”; Humberto Mauro e seu “Cinema é cachoeira” (inclusive com imagens de arquivo do cineasta); às Diretoras do Cinema; Mário Peixoto com “Mãos à obra”, inspirado no seu filme “Limite”; Muybridge e Irmãos Lumière, os “pioneiros do cinema”; François Truffaut e seu “Os Incompreendidos” na praça da Cinemateca Francesa em Paris.
Há também Maya Deren, por “carta”, moinhos, fluxos e Amsterdã; Jean Cocteau, poeta, cineasta, dramaturgo e ator francês; Bill Viola, videoartista norteamericano; Wim Wenders; Agnès Varda e suas “praias” (inclusive com a “presença” da cineasta); Alfred Hitchcock, meio David Lynch e com inspiração em “Um Corpo que Cai”); e uma homenagem ao Cinema, este mesmo com C maiúsculo, o templo divino de todos que são apaixonados por filmes.
A maestria de “Ensaios de Cinema” é o não poder traduzir o que vemos e não conseguir uma definição exata, tampouco a padronização em caixinhas de massa, talvez por causa da visão expandida de Cavi Borges e Patricia Niedermeier, que imprimem uma projeção filosófica de um espaço visual que não é mostrado na tela, mas que existe para o espectador imaginar, em que tudo está fora dos limites do quadro; talvez por causa da fotografia de Thiago Rios, Alisson Prodlik, Guilherme Tostes, além a dos diretores; talvez pela sonorização espacial, em especial a de Heitor Fialho; talvez pela edição de Tainãn Ribeiro Hsu e Christian Caselli; talvez pela seleção musical de Patricia; e/ou talvez porque o segredo é deixar o talvez para lá. Tudo aqui evoca os primeiros impulsos do ser, as emoções mais irracionais, estas que não pensam com a cabeça, mas desencadeiam tremores no corpo. É como se estivéssemos em uma terapia cognitiva de hipnose acordada. De lucidez potencializada.
“Ensaios de Cinema” nos reconecta com nossos cinemas perdidos, com nossos imaginários de outrora. Com nossas crianças interiores. Quando assistimos a Lynch e/ou Ignez e/ou Varda em outras roupagens e atualizações de época, então nós reencontramos as reais essências de nossas nostalgias, de nossos primeiros amores, de nossas passionalidades. Sim, pode ser muito pessoal e naif até escrever isso, mas é o que o cinema de invenção da dupla carioca me causa. Uma despretensão do esperar e apenas um simples receptor passivo de imagens em movimentos, metaforizadas em tela por um desejo incontrolável e ardente de personificar as causas primárias das coisas. Para concluir, “Ensaios de Cinema”, exibido no Lumen – Festival de Cinema Independente do Rio de Janeiro 2025, é muito mais que um ensaio, é um convite para que nós possamos experienciar todo o nosso amor pelo cinema.


