Empuxo
Onde a violência se prova fálica
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de São Paulo 2019
Não é fácil escrever sobre “Empuxo”, não só pelo tom brutal que a trama carrega, mas pela conclusão de seu discurso ao final. Nos primeiros trinta minutos o espectador é bombardeado de informações sobre o protagonista, a realidade onde vive e sua necessidade de mudar de vida. A introdução é didática em sua demonstração de desigualdade e comporta bem a desolação que é inerente ao trabalho infantil. Porém, é no segundo ato que o filme se transforma.
Mantendo sua capacidade de choque através da narrativa brutal, o diretor Rodd Rahtjen detém o público de maneira direta com sua proposição social e violenta, sem criar concessões com a carne daqueles corpos que transitam entre a Camboja e a Tailândia. Quando a câmera se fecha no barco pescador, é que a avalanche se torna uma realidade. A maneira como o diretor realiza as transições temporais, sem nunca ser didático em explicar o tempo, é de uma maturidade louvável, já que concretiza com vigor a violência que circunda o local e as relações sociais ali presentes. A busca em agradar o algoz, para que haja menos punição, os conflitos internos de passividade diante do assassinato gratuito, a perde de um membro essencial para o trabalho etc. Provocando emoções distintas em seu progresso, o longa não poupa em ser intuitivo na filosofia que impõe, fazendo existir uma lógica complexa, mas direta naquele ambiente.
O interessante de “Empuxo” é não abraçar uma direção explícita para provocar determinadas sensações, marcando as possibilidades gráficas como um recurso imaginativo maior que a tela alcança, logo, ao presenciarmos um assassinato não há a fetichização dessa morte como um recurso estético. E essa escolha afasta gravemente o longa de projetos norte-americanos, já que a exploração mórbida plástica da desgraça humana não compõe uma necessidade narrativa aqui. O modo como os vilões se comportam em cena, revela parte de sua natureza cruel, não apenas de maneira leviana, mas por um desprezo daquela situação de seus escravos. A visão é lúcida do ponto de vista da direção, já que parte de suas atitudes demonstram uma necessidade de autoafirmação.
Formalmente Rahtjen é econômico, mas profundamente consciente de sua câmera, constrói de maneira direta as inclinações dramáticas e vis, compondo com maestria os quadros. Em um determinado momento realiza um plano memorável que se inicia mirando o mar, com uma pequena intervenção de cordas do barco, realiza uma pan e enquadra toda a podridão da situação do trabalho e vemos os algozes armados ameaçando os trabalhadores.
Esse jogo no espaço e tempo do barco, está todo trabalhado neste simples movimento. E é essa racionalização que rege toda sua linguagem, uma decupagem sábia e simples, que salta de um acontecimento a outro com a velocidade que lhe é necessária. A estrutura regrada não pode ser confundida com frieza por parte do cineasta, pois quando o faz argumenta de maneira dialética dentro de seus quadros e sem auxilia expositivo de diálogo. Este é um dos méritos do projeto, que poupa linhas e linhas de diálogo para uma força corporal mais direta.
É necessário dar destaque para a atuação de Sarm Heng, que interpreta Chakra. Confiando maior parte de sua interpretação em seus olhos, a questão dúbia que gira em torno de suas atitudes se intensificam com o enigma de seu olhar. Por vezes acreditamos ser desprezo, outras, raiva ou mesmo indiferença. Tal recurso cria camadas diversas para cada ação realizada, por nunca entendermos suas motivações por completo.
“Empuxo” não é inesquecível. Pois ao se aproximar do fim, deturpa algumas relações que constrói ao longo da trama. A maneira que o diretor enxerga a conclusão de toda aquela violência, seja na essência da psique do protagonista ou em sua caminhada final. Infelizmente a leitura que ele realiza é unilateral demais e revela sua distância completa com qualquer um dos momentos da vida de Chakra. Ainda que não deixe claro os caminhos das possibilidades que ele abre, as múltiplas possibilidades possuem caminhos tóxicos em sua maioria e neste momento o espectador pode se sentir manipulado durante o resto da projeção. A constatação de um choque visceral na vida de um menino de quatorze anos é mais complexa que isso meu caro diretor.