Emmanuelle
Mais empoderada e menos sexualizada
Por Clarissa Kuschnir
Durante o Festival de Cinema Europeu Imovision 2025
Sylvia Kristel, sem dúvida alguma, tornou-se um símbolo sexual dos anos 70 ao viver nas telas a inesquecível e desejada “Emmanuelle”, no homônimo thriller soft core (nome dado ao pornográfico leve – o que insinua mais que mostra). O filme dirigido na época por Just Jaeckin (reprisado muitas vezes, de madrugada, no Cine Privê da TV Bandeirantes) causou furor, foi censurado no Brasil pela ditadura e chegou a ficar dez anos em cartaz na França. E agora, depois de 50 anos, “Emmanuelle” retorna às telas, porém com uma nova roupagem, pelas lentes da cineasta Audrey Diwan (que ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza 2021 pelo polêmico “O Acontecimento”).
Nos dias atuais, Audrey, que à princípio não pensava em dirigir o filme (só decidiu fazer após ler o livro homônimo) imprime aqui uma “Emmanuelle” mais madura (com seus 30 e poucos anos versus os 21 da versão de 74) e muito mais dona de si e de seus desejos. E para entender melhor essa nova versão, eu revi o clássico depois de muitos anos para que assim pudesse ajudar nesta análise, e, lógica e inevitavelmente, comparar os dois filmes. E olha que o antigo nem foi a primeira vez que a personagem do romance erótico da escritora francesa Emmanuelle Arsan apareceu nas telas. Mas na verdade foi Sylvia Kristel que deixou sua personagem conhecida mundialmente.
Depois disto, vieram muitos outras continuações. E outras atrizes estiveram na pele de uma das personagens mais desejadas do cinema. Mas voltando, esta nova versão é para mim muito mais suave do ponto de vista sexual (e eu acredito também que para uma geração dos anos 60 e 70). Como a própria diretora afirmou na coletiva de imprensa, realizada em São Paulo, “o menos é mais”. Sim, e estamos em 2025, o mundo mudou, consideravelmente. Esta “Emmanuelle” empodera sua personagem em mulheres que fazem suas escolhas e que são independentes financeira e emocionalmente dos homens. E conseguem se satisfazer, sem uma relação sólida. Viver o casual não é um problema. Não precisar um parceiro fixo para satisfazer os desejos, também não.
A protagonista desta vez é Noémi Merlant (que ficou mundialmente conhecida por seu trabalho em “Retrato de Uma Jovem em Chamas“) que segue o caminho de interpretação como uma mulher misteriosa e na maior parte das vezes melancólica, mas sem deixar de lado sua auto-estima bem-sucedida. Na trama, Emanuelle viaja para Hong Kong e tem como missão acompanhar o serviço de um hotel luxuoso (e de alguma maneira achar algum defeito no trabalho da gerente Margot, interpretada por Naomi Watts). Enquanto faz seu trabalho meio que discretamente, Emanuelle descobre uma cidade que não para e que, por trás dos luxuosos aposentos, há uma vida noturna e oportunidades de se entregar aos prazeres sem limites.
Mas enquanto as cenas mais quentes de “Emmanuelle” não chegam, tudo é muito morno. Simulado na ideia sexual, sem liberdade de se soltar. Os corpos femininos são poucos expostos (talvez por ser um produto Netflix), fazendo com que o espectador insinue suas próprias fantasias em cima da personagem. Ou seja, é um soft corn porn aos tempos atuais. Eu me pergunto: será que ficamos mais caretas? Não é preciso ter muito sexo, tampouco expor tanto o nu feminino, mas aqui tudo é muito mais frio, preocupando-se mais em mostrar a estética do que se vê: a noite e suas luzes artificiais. Não há o sol tropical e o colorido dos cenários (e do figurino) de 1974, onde o cenário do filme era na Tailândia, que para os tempos atuais, seus personagens e trejeitos, podem até ser considerados bregas. E curioso, este, em questão, nos faz lembrar da estética da nova temporada de “White Lotus”, que por sinal se passa na Tailândia.
Em “Emmanuelle” daqui, o luxo permanece, a elegância também, mas tudo é mais esteticamente conservador, com uma Emmanuelle à procura de alguma coisa para se sentir mais completa, mesmo com toda a segurança e a confiança do existir que externa a personagem. E o inalcançável, que aqui não vou falar muito para não entregar filme, é o que move a personagem a ir atrás de seus desejos. Ela tem controle total dos seus desejos, e sempre impecável em seu profissionalismo. Naomi Watts também mostra-se segura, também misteriosa, articulada, mas não espere àquela atriz que sensualizou no começo de carreira, especialmente em “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch. Aqui, a atriz australiana de “O Impossível”, parece mais uma coadjuvante de luxo (para “fazer bonito no filme”).
E assim, o esperado remake do longa-metragem “Emmanuelle” pode deixar a desejar a uma geração dos que viveram a liberdade, mas por outro lado pode agradar aos que chegam para conhecer uma nova Emmanuelle, neste mundo de hoje tão aprisionado nos “desejos racionais” à imagem e aparência dos outros. Audrey, que viu apenas alguns minutos do clássico de 1974 (disse isso também na coletiva), entrega o que se propôs a fazer. Deixar que o público obtenha seu próprio ponto de vista, trazendo à tona, talvez, um debate mais politizado e mais feminista a uma personagem que por décadas foi vista como uma mulher objeto (e “representando” e padronizando todas as outras mulheres).