Curta Paranagua 2024

Elis & Tom – Só tinha que ser com você

Um encontro importante, mas retalhado

Por Paula Hong

Elis & Tom – Só tinha que ser com você

São poucos os artistas que conseguem ter dimensão, ainda em vida, dos ecos que repercutem de sua arte. Isso se amplifica quando o encontro de pólos artísticos distintos se coligam — sem deixar de fora os atritos, as divergências, as opiniões já formadas — para criar uma obra que pode, sem garantias, dar certo. Felizmente, o caso do encontro colaborativo entre Elis Regina e Tom Jobim culminou em um dos álbuns cujo impacto reverbera no cenário musical brasileiro até hoje, de modo que do aniversário de 50 anos da obra resulta o documentário “Elis & Tom – Só tinha que ser com você”, assinado também por uma dupla — Roberto de Oliveira (à época, produtor musical do álbum em questão) e Jom Tob Azulay. No entanto, o documentário não consegue imprimir, com plenitude, os impactos de um dos álbuns brasileiros mais vendidos e apreciados de todos os tempos. 

Oliveira e Azulay têm em mãos os registros imagéticos do icônico encontro, restaurados em 4K. Embora tal informação já carrega em si mesma a expectativa de que haverá bom uso do material, ele é, ao contrário, mostrado em momentos pontuais do longa-metragem, e que não satisfazem a espera dele. O filme foca em traçar uma linha temporal — um tanto quanto confusa às vezes — dos eventos que culminaram na produção do álbum a partir dos relatos dos envolvidos. A montagem de “Elis & Tom – Só tinha que ser com você” consiste na reunião de entrevistas de personalidades da música nacional e internacional, sobretudo do jazz, que já cruzaram caminhos com Elis ou com Jobim, ou outras que estiveram diretamente envolvidas na gravação do álbum.

Alternando entre uma e outra, Oliveira e Azulay primeiro montam as linhas separadas, mas paralelas, de envolvimento musical anterior ao encontro dos dois artistas no ano de 1974, em Los Angeles: mesmo opostos estilicamente (Elis acreditava na exuberância como potencializadora da performance da música, utilizando-se de tudo que ela oferecia, e Tom economizava nas notas, elaborando um arranjo mais simples em suas criações), ambos têm prestígio internacional, são colocados como únicos e diferentes, dotados de talento e conhecimento musical de domínio inigualável. Desse modo, eles constroem a imagem, a personalidade, o sucesso dos dois, e o reconhecimento desse conjunto que cada um havia em seu meio.

As entrevistas também funcionam como reconstruções afetivas das imagens de Elis e Tom, mesmo que as memórias se refiram majoritariamente às interações profissionais que músicos e demais profissionais tiveram com eles. Quando o filho de Elis aparece e a filha de Tom, também, espera-se que eles falem mais sobre seus pais a partir de uma perspectiva que acrescentasse na afetividade construída ao longo do documentário, inteirando suas camadas fora do estúdio, fora do ambiente musical. Daria, por exemplo, para puxar um fio das impressões deles sobre os pais dentro do ambiente de criação e de interação com figuras importantes do meio, sobretudo no momento de elaboração do álbum “Elis & Tom” — a filha de Jobim, com 16 anos, esteve lá. No entanto, suas falas, não tão recorrentes ao longo de “Elis & Tom – Só tinha que ser com você”, reforçam que ele se trata estritamente dos acontecimentos que culminaram no entrelaço colaborativo dos artistas, cada qual com sua bagagem. Isso também é reforçado pela forma como tocam na morte de Elis como um sopro, bem como na “maturidade” musical que ela parece ter adquirido anos posteriores ao encontro com Jobim. A dupla de diretores também pouco demarca o pano de fundo temporal e político que permeia e influencia nas produções artísticas da época, como a ditadura no Brasil e o cenário cultural democrático estadunidense.

Os aspectos contrastantes que os diferem, tanto de personalidade quanto de processo criativo, são reforçados o tempo todo. Isso corrobora com a misticidade que reverte o álbum: ele quase não acontece. É como se pusessem a questão: já pensou o que seria da música brasileira sem esse álbum? Para além disso, realça a certeza de que as divergências pudessem resultar no fracasso na feitura do álbum. Mesmo enquanto convidado, Jobim se envolve no projeto, mas Elis tem dificuldade de concordar com as sugestões que ele criava; para ela, Bossa Nova era para quem não sabia fazer música, pois os arranjos eram muito simples, as notas eram usadas com economia. À medida que Elis cedia às sugestões e Jobim as adaptava, a convivência entre os dois foi se estreitando para um laço que deu nó: eles eram quase inseparáveis, e se enamoraram (musicalmente) no estúdio. O resultado disso tudo ecoa até hoje.

Quando se escuta as ondas sonoras das vozes de Elis e Tom se coligando no ar é que se entende: só tinha que ser com eles. Vislumbrar outras colaborações artísticas das músicas presentes do álbum não é árduo, já que há vários covers de “Águas de Março”, “Por toda a minha vida”, “Só tinha que ser com você” — para citar as mais famosas — são facilmente encontradas por aí, mas não com o mesmo efeito. Essa assimilação, mesmo que inconsciente, não vem do filme, mas sim da apreciação da obra musical em si. “Elis & Tom – Só tinha que ser com você” se assemelha mais a um retalho do que uma construção inteira que desse conta de abarcar a grandiosidade do encontro entre dois importantíssimos artistas da música nacional.

3 Nota do Crítico 5 1

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