É Rocha e Rio, Negro Léo
A Intervenção Oral do Protagonista
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2020
Uma das sessões mais polêmicas durante a 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes, pela Mostra Olhos Livres, foi a nova obra de Paula Gaitán, “É Rocha e Rio, Negro Léo”. Todo o falatório não vem necessariamente de uma questão política, mas sim de uma provocação estética que acabou afastando muito o público da experiência.
O documentário é uma longa conversa com o artista Negro Léo, com participação da cantora, compositora e cineasta Ava Rocha, onde durante uma tarde na residência de seu personagem central, escutamos diversas falas acerca de cultura, política, música e drogas. Porém, o que torna o filme uma provocação formal tão contundente é sua duração de cento e cinquenta e sete minutos, com planos longuíssimos, com a quase ausência de movimentação na câmera. O exercício de linguagem, centraliza de forma quase impositiva a necessidade de se escutar as falas de Negro Léo.
Com sua duração arrastada, advinda desse prolongamento dos planos, a experiência de “É Rocha e Rio, Negro Léo” é íntima, pois o espectador não é enganado pela montagem em nenhum momento, mas arrasta essas falas à um local de fluxo de consciência que torna tudo muito encantador. isto porque a capacidade de falar sobre uma pluralidade infinita de assuntos, ainda que com o custo de perder a construção que buscava inicialmente, recusa o corte da direção e amplifica ainda mais parte do trabalho do artista. Não à toa, durante a maior parte do tempo, não se aprofunda tanto na carreira do protagonista, mas sim na verve do mesmo em conseguir capilarizar todo seu pensamento em uma estrutura que se fragmenta com o tempo, mas adquire força através dessa liberação enérgica durante suas performances.
O espectador que não está familiarizado com Negro Léo, pode vir a se sentir afastado de toda a construção de “É Rocha e Rio, Negro Léo”, visto que a primeira e única performance presente no documentário é o último plano do mesmo. A escolha bastante consciente está diretamente ligada com a estrutura que Paula implica à sua obra, de estar em constante movimento político em seu conteúdo (a partir de seu objeto central), mas de não interferir em toda essa parábola desenfreada que ocorre diante da câmera. E dentro destas falas, algumas de teor político mais inflamado, parte do público de esquerda (que se alinha constantemente com o posicionamento do cantor) pode vir a se chocar com essas opiniões. Porém, a lucidez como os argumentos são construídos nos demonstra que o choque ao ouvir alguma divergências possíveis transforma todo o processo dialético político e artístico em um frenesi de surdez e ignorância que só tende a aumentar. Vide o lado oposto do cenário contemporâneo atual ter se unido de maneira quase a projetar uma ideia única de sociedade que apoia diretamente seu governo, sem críticas ou espaços para tal.
Ao costurar seus argumentos através da exposição de um show que faria na China uma semana depois das filmagens, o assunto drogas surge na pauta e, com ele, seu processo criativo. É onde o longa-metragem consegue arrancar boas expressões do espectador, pois a espontaneidade se torna um elemento fundamental daquela encenação acidental, elevando todo o espírito da obra a uma jovialidade própria de seu personagem. Este, empolgado, mostra parte de sua coleção de discos e exibe o último álbum de sua namorada Ava Rocha, “Trança”, com sorriso pleno no rosto de quem sabe o impacto desse lançamento na carreira dela.
Se Paula Gaitán (de “A Noite“, “Exilados no Vulcão“) encontra motivo para esta dilatação temporal fora da padronagem cinematográfica habitual, não encontra necessidade de responder sobre isso no debate que se sucedeu à sessão. Além do mais, as intenções são tão claras e dialéticas que qualquer tentativa de estruturar uma fala acerca dessa escolha estética e formal esvaziaria a obra. Ainda que o eixo geral seja Negro Léo, a composição da linguagem, a estruturação desses caminhos todos, é da cineasta. Negar isso é desacreditar que até o incômodo gerado durante a sessão é provocado por ela. Um argumento tão moralista quanto ignorante em essência.
“É Rocha e Rio, Negro Léo” é uma obra provocadora, que consegue manter a atenção de todos durante seu tempo dilatado e debater uma quantidade de assuntos invejáveis. Cansativo sim, mas uma tarde inteira escutando aquilo que talvez lhe atinja, por conta de suas atitudes, possivelmente deve vir a causar desconforto. Esse deverá ser trabalhado de maneira absolutamente objetiva com sua subjetividade. Do contrário, meus pêsames.