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Duna

A estética do filtro solar

Por Fabricio Duque

Festival de Veneza 2021

Duna

Há duas maneiras de escrever sobre a nova versão de “Duna”, dirigida pelo franco-canadense Denis Villeneuve: a de aceitar a dominante estrutura narrativa hollywoodiana, que pauta a condução da trama pela velocidade não aprofundada do olhar (usando e abusando dos efeitos especiais), ou a de ser anárquico e se rebelar contra esse “novo cinema” pela dureza transgressora das palavras. Exibido em sessão especial no Festival de Veneza, o filme em questão aqui consegue ser mais superficial que seu originário realizado por David Lynch. Neste novo mundo, inspirado na série de livros de Frank Herbert, a estranheza do primeiro é trocada por um pragmatismo didático, mastigado (pelas percepções não mais sutis e sim explícitas: narra-se o que se vê e o que já está óbvio) e especialmente pela artificialidade estética das formas. A impressão que se tem é a de estarmos diante de um spin-off de “Star Wars” com “Game of Thrones” (a “mão de Deus”, por exemplo) com “Guardiões da Galáxia” (talvez muito porque seus atores daqui tenham participado dessas referências). Se a obra anterior gerava risos no agora por seus efeitos ultrapassados e toscos, neste, nós encontramos o excesso, potencializando o gênero de ação em suas batalhas e perseguições de ficção-científica, entre tiros e um monstro-verme que mais aparenta ser um ânus gigante (será uma metáfora?), mesmo que essa tecnologia contemporânea crie a sensação de um coloquial e orgânico realismo fantástico do olhar.

“Duna” é o supra-sumo de toda a ideia comportamental norte-americana: embasar as próprias falhas e limitações com a força arrogante do excepcionalismo “pode tudo”. De que querer é poder. E de que “o medo mata a mente”, ainda que “os sonhos sejam mensagens da profundeza”. Este é um filme mercado, principalmente por se construir à base de algoritmos de corte na montagem. “Duna” quer trazer o tom cerimonialista,  de extremismo performático, com suas expressões e reações de efeito (complementadas por câmeras lentas e aproximações mais dramáticas), separando núcleos a fim de desdobrar os conflitos e consequências. Essa nova versão soa como uma refilmagem quadro-a-quadro, como se cada cena precisasse de um ajuste técnico para ser mais “crível” e naturalista, apesar de todo anti-naturalismo das interpretações (mais histéricas, gritadas e forçadas), arquétipos de uma ideia argumentada do social, em seus discursos ultra melodramáticos e sentimentais (ah, sem esquecer da trilha-sonora épica que acompanha as falas). O verdadeiro cinema-essência morreu? Será que diálogos acompanham o conservadorismo das reações mais sensíveis e de personagens instáveis emocionalmente que não conseguem lidar com adversidades?

O longa-metragem apresenta sua primeira parte, mais um indicativo de todo esse valor mercadológico. A supremacia dominante versus a anarquia.  Manipulação visual ganhando da contemplação da imagem. Tudo virou uma grande experiência líquida e casual. “Sonhos rendem boas histórias, mas o que acontece é quando você está acordado.”, pontua-se em um dos muitos momentos autoajuda teatralizada. “Não tire conclusões! isso é um ato de amor!”, diz-se. Será? “Duna”, não satisfeito com os típicos elementos ofertados pelo gênero fantasioso, ainda quer mais. Sussurros, “chorar sem lágrimas” e “petulância do olhar”, que por sinal mais novelescos que a telenovela “Maria do Bairro”. Como foi dito, este busca repetir o primeiro, como a caixa da dor, que alude aos rituais indígenas das formigas para transformar meninos em homens. E/ou as especiarias, um que de Santo Daime que quebra as fronteiras do tempo, espaço, passado e futuro. Há também novos elementos sociais abordados. A importação crítica da ideologia do Talibã (e o radicalismo religioso de escravos em comportamentos primitivos) e dos mandamentos muçulmanos: as mulheres de Burca e seus lamentos musicados, escondendo o rosto dos homens. Sim, parece mesmo que o espectador já viu esse filme em algum lugar, não pela universalidade do tema, mas pelos clichês pululantes de temas quase obrigatórios na geração atual. A figura do Messias e o “caminhar emocionante no novo mundo”, entre cientistas ecologistas à la James Bond e “007” e a “guerra santa”.

Mas Denis Villeneuve sabe como usar o sistema, apelando à máxima de que nós em cada filme olhamos para o que queremos ver. Neste caso, o foco é a questão feminista e a condução do futuro por uma mulher. E lidar com o argumento armamentista de que toda a “violência-morte é justificada” (ainda que intensificada com requintes sádicos e cruéis pela raiva sentida) pelo bem comum, apoderando-se de outra máxima: “não se consegue fazer omelete sem quebrar os ovos”. “Duna” é hype ao poetizar a imagem e sua ambiência sonora com cantos gregorianos com um que de etéreo e cósmico de vibrações epifania. O filme é um “fluxo de processo”, de desligar os motores, fechar os olhos e deixar o Universo conduzir. Até porque ninguém tem o controle de nada. Ainda que todos meçam forças, compitam entre si e se aproximem da “pequena morte”. “Duna” é para ser assistido no momento. É uma experiência tecnológica pela sinestesia. O corpo humano precisa absorver os sustos, os barulhos. Mas não espere nada muito profundo, visto que a característica principal deste novo gênero é ser casual e passageira, assim como os espectadores em uma sala de cinema, que se protegem em vão de ter uma insolação pela quantidade de sol fora de medida que o diretor não soube dosar e que caminha sozinho no deserto. Um novo incêndio. Use filtro solar!

2 Nota do Crítico 5 1

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