Domingo à Noite
A questão dos excessos
Por Vitor Velloso
É estranho ver como alguns filmes brasileiros insistem em uma fórmula tão desgastada e repleta de obviedades, que sua previsibilidade não consegue se sustentar nem com Marieta Severo fazendo um esforço notável para manter as coisas no eixo. Zé Carlos Machado, interpretando Antônio, possui uma carreira errática e com altos e baixos, mas Marieta Severo não, além de possuir uma bela trajetória no teatro e audiovisual brasileiro, seu talento sempre foi unanimidade e seu lugar na história da produção cultural nacional é digno de homenagens. Porém, nada disso importa em “Domingo à Noite”.
Dirigido por André Bushatsky e roteiro de Bruno Gil Gonzalez, o filme persegue uma estrutura melodramática tão desajeitada quanto poderia, partindo de situações e premissas clichês para facilitar o desenvolvimento dramático e encontrar os gatilhos mais fáceis para alcançar alguma lágrima do público ou reprovação quanto a atitude dos filhos. Contudo, se a máxima do “virou clichê porque funciona” pode ser aplicada a determinados filmes de gênero, no caso do melodrama a linha entre um filme funcional e um vexatório depende diretamente da forma, da condução dessa história, de seu desenvolvimento, de seus diálogos e atuações. E infelizmente, nada disso funciona aqui, pelo contrário, o projeto parece flertar com todo tipo de equívoco, deslize e situação embaraçosa que poderia. Por exemplo, o primeiro flashback do longa, não seria desastroso se a fotografia não procurasse a luz mais óbvia, se as atuações fossem menos expositivas e mais convincentes, se as cores não remetesse à um preset e se a trilha sonora não fosse tão marcada para explicitar o óbvio. O resultado disso é uma cena supostamente feliz, contrastando com o tempo presente, que parece uma publicidade de plano de saúde.
O maior problema de “Domingo à Noite” é sua falta de coesão entre as partes criativas, pois a história em si, por mais clichê que seja, possui uma potência dramática clara e poderia ser explorada de forma extremamente eficiente. A escolha dos atores não é de todo problemática, os protagonistas poderiam ter realizado um trabalho de excelência, mas nenhuma cena consegue ser funcional com um roteiro tão frágil, diálogos tão expositivos e uma direção de atores precária. A cena que Margot (Marieta Severo) conta para seus filhos, Francine (Natália Lage) e Guto (Johnnas Oliva), que também está enferma deveria ser um dos maiores baques da narrativa e torna-se um show de descompasso, com respostas apressadas, tempos encurtadas entre as falas, atuações questionáveis, incluindo da própria Marieta Severo. Não há como culpar os atores, pois os diálogos beiram o absurdo, a montagem, assinada por Federico Brioni (“O Doutrinador”, 2018), não sabe como cadenciar seus tempos, nem qual a perspectiva que irá assumir no desenvolvimento da cena. Tudo é tão descoordenado, que até a fotografia de Flavio Dragoset, que procura algum tipo de tom cinza no seu suposto naturalismo, parece burocrática diante desse eterno desencontro.
Neste desenvolvimento tão caótico quanto previsível, o arco final é tão óbvio que a cena que encerra a projeção, supostamente de maneira drástica, soa maniqueísta, quase como um recurso programático para fixar no espectador as emoções mais simples e diretas que procurou fazer ao longo do filme inteiro. Não por acaso, por mais que Marieta Severo e Zé Carlos Machado façam um esforço incomensurável para transformar suas cenas em algo particularmente efetivo, a própria dinâmica entre eles soa engessada, artificializada por uma união entre roteiro e direção que seguem os caminhos mais simplórios da esquemática comercial. A estratégia de conseguir emocionar o espectador pode funcionar em casos particulares, seja por algum reconhecimento de história particular ou sensibilidade com a temática, mas o projeto não consegue se sustentar pelos seus exageros em cada tomada de decisão. “Domingo à Noite” é um filme-sintoma, de um contexto onde boas ideias, por mais que não originais, são realizadas com a pressa de quem não compreende o próprio tempo do gênero. Além disso, a própria saída de estabelecer uma família rica, inserida no mercado financeiro e artístico, parece uma manobra tão rasteira para fugir de debates mais amplos, da própria família inclusive, que esvazia qualquer chance de encontrarmos algo que se sobressaia.