Curta Paranagua 2024

Dois Sertões

Olhar pro céu

Por Vitor Velloso

Mostra CineBH 2024; Festival do Rio 2023

Dois Sertões

Em 2020, quando Sertânia foi exibido na Mostra de Tiradentes, a reação de todos que estavam presentes naquela sessão no Cine-Tenda foi de completo êxtase. A obra de Sarno sempre foi um ponto de referência no cinema brasileiro, mas “Sertânia” elevou as expectativas na Olhos Livres a um nível quase incomparável. “Dois Sertões”, de Caio Resende e Fabiana Leite, não propõe uma cinebiografia, nem mesmo apenas um processo criativo sobre “Sertânia” e “Sertão de Dentro”, mas sim uma espécie de mergulho íntimo na mente criativa de Sarno e nos processos artísticos e filosóficos que o inquietava na época. 

É fascinante escutar sarno falar sobre Bergson, Deleuze, Vertov, Eisenstein, Hegel e Marx, referenciando seus projetos e sua história de vida, pois demonstra plena consciência dos caminhos a serem trilhados, sem tornar seu discurso uma espécie de proposição idealista e soberba acerca da teoria de cada autor. Pelo contrário, torna-se instigante reimaginar “Sertânia” através dos tópicos levantados pelo cineasta, as contradições e dialéticas que são provocadas pelas conversas e processos de anotações que vemos ao longo da projeção. Nesse sentido, “Dois Sertões” é um documentário que não teme pelo foco unidimensional em seu protagonista, mergulhando de cabeça  em todo o processo e debates que estão sendo levantados, sem necessariamente emitir opinião ou pensamento sobre, apenas deixando o mestre se expressar. É evidente que essa estratégia só funciona pela personalidade de Sarno, mas existe o mérito da montagem, assinada por Renato Vallone e Caio Resende, pela eficiência em concatenar de forma relativamente lógica esses fragmentos, do contrário esses registros iriam se tornar instantaneamente obsoletos. Contudo, após determinadas provocações filosóficas, vemos parte da filmagem de “Sertânia”, dentro de um contexto e pretexto pré-estabelecido e podemos desfrutar do resultado de parte desse processo, por mais que possa ser particularmente difícil em determinados momentos. 

E é essa contradição que o espectador se vê durante boa parte do projeto, por um lado o mergulho profundo no processo criativo e os desdobramentos dessas reflexões em imagens, cenas e soluções, por outro um certo ambiente neutro, onde Sarno aparece debatendo detalhes da produção, dificuldades com determinadas tomadas de atitude de sua equipe etc. Nesse sentido, a obra parece se alongar para um campo pouco fértil dentro de sua própria estrutura, mesmo que seja compreensível o desejo de nos aproximar da personalidade do diretor em sua íntegra, não há uma grande justificativa para a inserção desses recortes, criando uma certa camada de suspensão para o documentário. 

Assim, “Dois Sertões” se fortalece quando vemos o processo de “fichamento”, suas lembranças que o levaram a determinadas figuras históricas, consequentemente decisões criativas, e toda sua bagagem, intelectual ou de vida, para entender a grandiosidade de sua cinematografia, não necessariamente os bastidores da produção. E esse vale neutro presente na obra, nos faz questionar sobre Edgard Navarro, cineasta da mais alta importância, e ator em “Sertânia”, surge apenas como uma figura coadjuvante na tela. Ou mesmo para Vertin Moura, Julio Adrião ou outros atores presentes no projeto, pois não temos acesso à direção de atores, trocas e ensinamentos de forma direta, com exceção de um fragmento ou outro, onde Sarno divide tela com Vertin por um breve momento. 

Por fim, existem fragmentos icônicos do longa “Sertânia”, que temos acesso à gravação por conta de “Dois Sertões” o que é realmente fascinante, assim como seus referenciais teóricos sendo expostos com tamanha naturalidade e sabedoria, mas o filme parece dilatar sua duração em determinados momentos para cumprir uma determinada minutagem e tornar-se um longa-metragem, o que fragiliza alguns segmentos do belíssimo projeto de Caio Resende e Fabiana Leite. Ainda assim, é obra fundamental para quem se interessa por Geraldo Sarno, pois traz uma dimensão cultural, regional e filosófica para o falecido diretor, que é capaz de impressionar o espectador, ou pelo menos aumentar a admiração por essa lenda do cinema brasileiro. 

4 Nota do Crítico 5 1

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