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Dois Filhos de Joseph

Dois Filhos de JosephDois Filhos de Joseph

Sensibilidade Hereditária

Por Michel Araújo

Festival Varilux de Cinema Francês 2019

 

Um pai solteiro que acaba de perder o irmão, que faleceu de câncer. Um jovem universitário em vias de se tornar psiquiatra, que sofre ardentemente por uma desilusão amorosa. Um pré-adolescente preso nas pueris obsessões da puberdade, que simultaneamente despreza e admira seu pai e irmão mais velho. Estes três – respectivamente Joseph, Joachim e Ivan – são os personagens centrais de “Dois Filhos de Joseph” (2019), de Félix Moati, um drama sobre os galopes emocionais de uma família desestruturada.

Na primeira cena do filme vemos Joseph (o ator Benoît Poelvoorde) escolhendo um caixão para seu recém falecido irmão. Ao perceber que o caixão foi feito na medida errada – que ele comprova medindo-o de dentro, com seu próprio corpo – Joseph se enfurece e exige que façam um caixão novo. Após o escândalo ele pede para que seu filho, Ivan, que o estava acompanhando, não conte o ocorrido para Joachim, o mais velho. Esse gesto de medir o caixão com o próprio corpo já indica esse movimento dentro da estrutura familiar de comparação e relação. Joseph afirmou com absoluta certeza que ele e seu irmão eram do exato mesmo tamanho, portanto, o caixão estava errado – muito embora os agentes funerários defendam que fizeram o caixão na exata medida do cadáver.

Joseph deseja se equiparar a seu irmão, crê que ambos tem a mesma medida – aqui já num sentido metafórico, relativo a seus caracteres. Esse movimento de medida e comparação que Joseph realiza explicitamente na primeira cena do filme será reproduzido ao longo do filme por seus filhos, apesar deles negarem suas aspirações e tentarem obscurantar seus sentimentos.

O pai solteiro Joseph possui, também, um segredo. Desde que seu irmão havia sido diagnosticado com câncer – dois anos antes do momento em que se passa o filme -, ele abandonara sua carreira médica, fechara seu consultório, e começara a escrever literatura. Ivan ouve a uma conversa particular de seu pai com uma familiar próxima e descobre isso. Entretanto não há uma surpresa para Ivan, muito menos para Joachim quando Ivan lhe repassa o que ouviu. Ambos apenas concluem que seu pai deve ter perdido a cabeça, porém não prorrompe na situação. Assim como nesse momento, ao longo do filme não há grandes surpresas, choques ou reviravoltas situacionais.

As emoções explodem, os filhos e o pai discutem, porém não há situações que façam o filme avançar. Há pequenos episódios, porém não há um horizonte para as ações, apenas para as emoções. “Dois Filhos de Joseph” parece se tratar muito mais do não dito do que do dito. Mesmo porque os pontos focais das ações e diálogos em diversos momentos sequer são representados. Sabemos pela diretora do colégio de Ivan que ele agrediu um colega durante um passeio no zoológico e ameaçou jogá-lo na jaula dos tigres.

Sabemos por repetidas menções sobre a ex-namorada de Joachim (o ator Vincent Lacoste), por quem ele ainda muito sofre, e sobre o que decorreu de seu término com a moça. Sabemos por um relato de Joseph a uma mulher com que ele estava saindo romanticamente sobre o abandono que sofreu da mãe de Joachim e Ivan (o ator Mathieu Capella) pouco após Ivan nascer. Todos os momentos que orbitam o “aqui e agora” da família são efêmeros, porém deixam sua marca. O que parece importar é a maneira como o trio de Joseph, Joachim e Ivan irão lidar, no presente, com as amarguras e abandonos do passado, bem como as desilusões e incredulidades.

A trilha sonora original do filme – composta pelo grupo Limousines – é, apesar de muito prazerosa, demasiado excitante, e parece ambicionar empolgar momentos em que a ausência de trilha sonora faria melhor jus ao momento. A divertida ambiguidade do filme é seu charme, muito embora essa ausência de senso não seja exatamente um ponto forte. As voltas que o pai e seus filhos dão em torno de si para, ao fim, apenas aparentar que tudo irá terminar bem, não parecem serem resolutivas, apenas estão lá.

“Dois Filhos de Joseph”, exibido no Festival Varilux de Cinema Francês 2019, põe o espectador num “estar lá” dos traumas emocionais e familiares: ser abandonado por sua esposa e perder seu irmão para o câncer; ser abandonado pelo possível amor de sua vida; crescer na ausência da mãe e ambicionar diversos amores não recíprocos estando preso entre a admiração e o desprezo pelas duas únicas figuras masculinas que se possui de exemplo. Nenhuma dessas aflições e encarada frontalmente e resolvida. Há apenas a resignação e um fio de esperança que surge do breve sorriso esboçado por Joachim nos derradeiros segundos do filme.

“Eu tenho o desejo do coletivo, e esse é o assunto do filme. Meus personagens acabam percebendo que não podem fazer nada sem os outros. A ideia de consolar um ao outro permeia todo o filme”, finaliza o diretor Félix Moati. 

3 Nota do Crítico 5 1

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