Dividir e Conquistar: A História de Roger Ailes
O Homem que Inventou a Fox News
Por João Lanari Bo
Festival de Toronto 2018
“Dividir e Conquistar: A História de Roger Ailes” é um documentário dirigido pela realizadora Alexis Bloom, em 2018. Para o público brasileiro, talvez o nome não ressoe muito: o finado Roger foi uma força da natureza, embora confinado no espaço midiático dos EUA. Claro, isso não é pouca coisa, mas, para quem conhece a força da mídia na vida da nação mais poderosa do planeta, é muito, é um assombro. Roger Ailes é simplesmente creditado por ter transformado o cenário político do país, da noite para o dia – o ano era 1968, o que mais se via eram protestos contra a Guerra do Vietnã, e Roger trabalhava como produtor no talk-show diário (e chegado ao sensacionalismo) “The Mike Douglas Show”, quando Richard Nixon apareceu para ser entrevistado. Nixon, que tinha perdido a eleição presidencial para John F. Kennedy em 1960, queria tentar de novo a sorte. Você precisa de um consultor de mídia, disse Ailes ao pé do ouvido do candidato republicano, após o show. Nixon nem sabia o que era um consultor de mídia (pouca gente sabia naquela época, os políticos confiavam na intuição). Não deu outra: contratado, Roger Ailes foi instrumental na vitória de Nixon, assim como foi também para diversos políticos conservadores nos anos de 1970 e 80, incluindo Ronald Reagan e George Bush pai.
O filme de Alexis conta tudo isso, e muito mais. Filho de um capataz de fábrica em Warren, Ohio, Ailes cresceu com um pai cruel e sem amor (ou assim ele gostava de dizer). Foi diagnosticado com hemofilia aos 4 anos de idade, dado que acrescentou uma potência inaudita à sua ambição desmesurada – para ele, viver e subir os degraus do poder era tudo ou nada, qualquer acidente ou ferimento leve podia ser fatal. “Dividir e Conquistar: A História de Roger Ailes” apela eventualmente para uma psicologia barata, mas nesse caso com alguma ramificação no real: a necessidade de possuir e controlar tudo tornou-se obsessiva para Roger e acabou levando a um comportamento paranoico, algo que imprimia em suas atividades e que permeou a Fox News, sua mais acabada obra. Teorias da conspiração, fake news e demonização dos inimigos eram suas armas preferidas para lidar com as circunstâncias que se apresentavam. Basta imaginar uma tal disposição combinada com o repertório de dirty tricks adquirido nos anos de produtor de TV para se ter uma ideia da capacidade disruptiva, para usar uma expressão eufemística, de Roger Ailes.
Ele gostava de citar o filme de Leni Riefenstahl, “Triunfo da Vontade”, a joia da propaganda nazista, como referência incontornável. Seu legado está mais do que nunca presente em nosso cotidiano: cada vez que alguém entra na arena política da mídia e diz uma mentira deslavada – Presidentes, políticos, comentaristas e outros menos votados, como dizia Ibrahim Sued – e espectadores com alguma dose de sensatez se espantam incrédulos, está lá o dedo e o espírito de Ailes. Algo que já existia na tresloucada sociedade de consumo americana, mas que sem dúvida ele aperfeiçoou e levou aos píncaros do poder. Até hoje, um terço dos eleitores acreditam que a vitória de Joe Biden foi roubada: como diz um dos entrevistados, foi Roger Ailes quem arrastou o manual da propaganda fascista, pela primeira vez, para o brilho branco e quente da democracia televisionada.
Ascensão e queda: a ironia do destino, como ressalta logo no começo o narrador de “Dividir e Conquistar: A História de Roger Ailes”, é que Ailes foi demitido pelo mogul Rudolph Murdoch, seu patrão na Fox News, no dia em que Donald Trump ganhou a corrida no Partido Republicano para candidatar-se a Presidente, em 2016. A razão, assédio sexual: mas, atenção – assédio sexual numa escala institucional, que começou com denúncia de uma das âncoras, a ex-miss América Gretchen Carlson, e desdobrou-se numa cascata de revelações que envolveram também outros astros da rede, como o indefectível Bill O’Reilly. Várias das locutoras que se apresentam na telinha como se estivessem num desfile de beleza – a estética da emissora assemelha-se à mercantilização do corpo feminino propagada por Hugh Hefner na Playboy – seguiram o exemplo de Gretchen e, ao fim e ao cabo, a Fox teve de pagar dezenas e dezenas de milhões de dólares de indenizações e acordos extra-judiciais.
Game over para Roger, que saiu de cena e morreu em 2017, com 77 anos.