Divertida Mente 2
Uma continuação que até Freud e Lacan gostariam de assistir
Por Fabricio Duque
A Pixar desde o início de sua história diferenciou-se das outras animações realizadas na época quando resolveu se debruçar incondicionalmente ao propósito intrínseca de criar obras que aprofundassem análises sobre estágios cognitivos dos seres humanos; como se fizessem um trabalho de antropologia neuro-psique emocional, em que comportamentos sociais eram estudados, desenvolvidos, categorizados e desconstruídos para serem ressignificados no final do processo. E tudo isso de forma mais popular, de identificação imediata com o público, que encontra uma terapia lúdica e imediata de simplicidade aprofundada (mas não simplista) para acessar memórias afetivas e reavaliar como estão no momento atual.
Os filmes da Disney, por exemplo, construíam um imaginário de um universo mais tradicional (pautado nos valores morais da família e na ideia do altruísmo), conduzindo narrativas pela fantasia do amor idealizado e “inventado” (um padrão social a ser seguido como sinônimo de felicidade e realização existencial). E então, a Pixar, uma “perna” dos estúdios de Walt Disney, não só permitiu novas formas de ser, como desconstruiu essa ideia do se comportar, discutindo temas polêmicos e tabus de nossa sociedade e apresentando personagens que são “normais” e imperfeitos em cotidianos que lidam com indiferenças, medos, perdas, tristezas, anseios e liberdades, fazendo com que seja preciso a cada um aprender a controlar as emoções e não escondê-las, porque são partes complementares e diversas de um todo. Tudo, dessa forma, mantém o equilíbrio do Universo. A Pixar apresenta o conceito do vínculo transcendente, que atravessa a superficialidade de próprio corpo para combinar energias, afinidades, fraternidades e fluidos, sempre respeitando (e nunca obrigando) a individualidade, vontade, querer e identidade do eu (que é uma) e do outro (que é outra).
Ao expor essas questões de universalidade coletiva com naturalidade, perspicácia e empatia, abraça-se a personalidade idiossincrática, que faz uma pessoa ser um verdadeiro e inclusivo ser humano. Em “Divertida Mente”, lançado em 2015, a Pixar deu um salto gigantesco à compreensão da mente e estudo das sinapses conectivas, por meio da personificação das emoções humanas. Ao assistir cada um desses sentimentos no micro em busca da aceitação do macro, nós somos imediatamente convidados à identificação, especialmente pelo conceito ressignificação “modernizada” de família (não mais limitada às tradições e sim ampliada a infinitas possibilidades de ser e agir). Apresentava-se cinco emoções primárias: Alegria, Tristeza, Medo, Raiva, Nojinho, que passavam na mente de Riley, uma menina de 11 anos que se muda de cidade com a família, tudo por meio de um roteiro de diálogos sarcásticos, antenados e com um incrível timing para trocadilhos, sacadas e piadas prontas (críticas). Leia aqui a crítica completa!
Em 2024, nove anos depois, o mundo mudou e a Pixar resolveu traduzir essas transformações com o lançamento da continuação “Divertida Mente 2”, o que gerou ansiedade, muito curioso inclusive por esta nova história se tratar dessa emoção “normal”, que se não cuidada vira uma “condição psicológica”. Pela explicação mais técnica, a ansiedade pode surgir em situações que provocam medo, dúvida ou expectativa, podendo ser caracterizada por sentimentos de tensão, preocupação e insegurança. Sim, em “Divertida Mente 2” temos a Riley na fase da adolescência em que os hormônios, desentendimentos e “bagunças mentais” são constantes e de impulsos imediatistas. Neste então, novas emoções são desencadeadas: Ansiedade (já falamos aqui), Vergonha, Inveja e Tédio. No primeiro, a emoção dominante era a Alegria, que queria “controlar tudo”. Aqui, a Ansiedade busca “reinar” pelo descontrole e em excesso gera transtorno e a destruição de tudo o que foi construído pelas emoções primárias (a família, a amizade, o jogo de hockey).
“Divertida Mente 2”, que ganha nova direção de Kelsey Mann, com roteiro de Meg LeFauve e Dave Holstein, ainda consegue corroborar o apuro técnico da Pixar nos detalhes e sutilezas metafóricas e identificáveis dos comportamentos reais dos seres humanos enquanto indivíduos sociais em seus cotidianos compartilhados e requerentes de relacionamentos. Sim, essa personificação lúdica (como sendo uma liberdade poética para expor nossas manias acumuladas, nossos repetições – automatizadas – pela massificação de “tendências” do meio em que vivemos) acontece de forma precisa e certeira. Contudo, nós precisamos aceitar que o mundo realmente mudou. Que ficou mais rápido. Que tudo tem que ser feito “para ontem”. Esses desdobramentos modernos acarretam um empobrecimento e uma maior falta de cuidado preciosista ao finalizar uma obra audiovisual. No afã de correr para apresentar o resultado com prazos cada vez mais reduzidos, a forma é prejudicada. E nem mesmo toda a maestria da Pixar está imune a isso.
É um paradoxo “Divertida Mente 2” fazer uma crítica fofa sobre ansiedade e sofrer toda essa pressão para que consiga manter a mesma qualidade. Assim, “Divertidamente 2”, como as últimas animações da Pixar, também sofre desse mal. Mas mesmo assim luta contra gigantes e os quereres blockbusterianos para conservar a alma e a essência de ser a mais agradável terapia que possamos ter para nos conhecer pelo divertimento, com equilibradas doses homeopáticas de aprofundar questões que estão em nosso subconsciente e que embasam até mesmo nossas mentiras sociais. Mente também mente. Sim, Freud e Lacan gostariam de “Divertida Mente 2”. E ainda tem os easter eggs da famosa e icônica bola, que não contarei onde estar para não estragar a surpresa.