Dilili em Paris
Antropologia para Baixinhos
Por Jorge Cruz
Visualmente “Dilili em Paris” nos faz lembrar uma outra bonita animação, “Chico e Rita” de 2010. Porém, se o longa-metragem que iniciava sua jornada pela Havana dos anos 1940 e 1950 até chegar a Europa era direcionada a adultos, o filme dirigido e roteirizado por Michel Ocelot (de obras como “Kirikou e os Animais Selvagens” de 2005 e vencedor do BAFTA em 1981 pelo curta-metragem “Les 3 inventeurs“) quer atingir em cheio os pequenos. Nessa produção, ele utiliza uma bonita técnica de incorporação de fotos na animação.
Com isso, somos colocados na Paris em algum momento entre o final do século XIX e o início do XX com fidelidade total de cenários. Boa parte da obra é um passeio – no sentido literal do termo – ao dito glorioso período da Belle Époque. Ocelot conseguiu esse acervo de fotografias visitando os principais pontos da cidade assim que amanhecia o dia. Assim ele obtinha boas imagens, com pouca adição de elementos modernos – como carros e pessoas com roupas contemporâneas. Isso facilitava, na produção, a edição dessas fotos.
A primeira impressão é a de que “Dilili em Paris” seria uma aula mais de Antropologia do que de História. Sua protagonista é simpática Dilili (Prunelle Charles-Ambron). Filha de um francês com uma representante da comunidade kanak, originária da Nova Caledônia, ela tem um questionamento muito pertinente em seus primeiros minutos em cena. Quando morava em seu país-natal era vista como “muito clara”, enquanto na França era entendida como “muito escura”. Criada por uma rica Condessa após viajar de navio da Melanésia, sua interação se dá com o jovem Orel (Enzo Ratsito), um entregador movido pela curiosidade.
O roteiro de Ocelot aborda em seu prólogo o exotismo com o qual a cosmopolita Paris de “Dilili em Paris” via quem não era nativo. Uma abertura de plano, onde parecia que estávamos em alguma floresta do Pacífico, nos revela um parque nos arredores da Torre Eiffel, Esse talvez seja o momento mais inspirado da animação. Com uma linguagem infantil, o texto transforma a personagem principal em uma observadora, que não se contenta em absorver a paisagem clássica da capital parisiense, se interessando pelas pessoas que ali viviam.
Com esse argumento, o cineasta insere de forma dinâmica os grandes expoentes daquele período de tanta relevância cultural. De Auguste Rodin a Sarah Bernhardt, passando por Marie Curie, o excesso de citações às participações estragaria a experiência de assistir ao filme. Há sequências que não mereciam ser tão curtas, como uma que contrapõe, nos jardins parisienses, Claude Monet e Pierre-Auguste Renoir. Boa parte das informações ali se prestam mais como introdução daquelas figuras, sendo possível que no seu país de origem o longa-metragem seja um entretenimento educativo para as crianças.
Muitos podem entender o filme como uma lição de empoderamento feminino, até porque Dilili em nenhum momento duvida de que pode ser tudo o que ela quiser – as vivências ao longo da obra apenas tornam tal fato ainda mais inquestionável. Não é a primeira nem a segunda vez que mencionamos esse curta-metragem brasileiro, mas “Vivi e o Quadro Mágico” se utiliza do mesmo expediente – e de maneira talvez mais contundente. A animação francesa por vezes não se decide entre esse caminho e uma ode ao famoso período de sua sociedade. Não que ele não possa ser os dois, mas acerta bem mais quando é o segundo do que o primeiro.
Por uma longa parte de “Dilili em Paris” essa viagem por Paris parece sem objetivo, como um flaneur, termo cunhado por Walter Benjamin a partir das poesias de Charles Baudelaire (que não viveu o suficiente para ser contemporâneo de todas as prestigiosas celebridades que desfilam pela tela). Na meia hora final, porém, o longa-metragem foca no desenvolvimento de sua trama. Momento em que deixa de ser essa prazerosa viagem e passa a ter uma história mais objetiva. O lirismo resta prejudicado, não sendo completamente abandonado por força de uma interessante conspiração como argumento, beirando o realismo fantástico.
Mesmo assim, “Dilili em Paris” não se mantém o suficiente para manter a imersão do espectador na parte final. Fica a impressão de que várias peças foram espalhadas sem que fizessem parte do mesmo quebra-cabeça. Todavia, seu clímax deverá agradar os brasileiros com um pé no ufanismo – há um pouquinho de “Brasil iá iá” na fase mais aguda do longa-metragem. A despeito dessa curva íngreme em sua narrativa, é uma animação de grande apelo aos pequenos, que receberão diversão acompanhada de uma bonita aula de História.