Diálogos da Preservação no CineOP 2024
Com o tema Politicas Públicas para o patrimônio e a preservação audiovisual, a mesa contou com a presença da Ministra do STF, Carmen Lúcia, com a mediação de José Quental e a presença de Daniela Fernandes
Por Vitor Velloso
No CineOP 2024, O debate Diálogos da Preservação, com o tema: Politicas Públicas para o patrimônio e a preservação audiovisual, Centro de Convenções, contou com a presença da Ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, com a mediação de José Quental – curador da Temática Preservação, e a presença de Daniela Fernandes – diretora de Preservação e Difusão da Secretaria Nacional de Audiovisual – SAv/MinC.
A ministra do STF iniciou o debate falando sobre o direito do acesso à cultura, sobre a importância da arte como uma forma de mostrar às gerações futuras nossa realidade presente. Falou sobre a necessidade de entender a noção de diferença entre produção cultural e ideologias que procuram cercear ou frear por completo formas de expressão e produção cultural no Brasil. De como é necessário encerrar o debate de que o incentivo do Estado para a produção cultural, não se trata de “favor do Estado”, mas sim de um direito constitucional, citando o art. 215 da Constituição Federal:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Em tom descontraído, Carmen disse: “Eu venho de uma região muito rica culturalmente, mas com grandes dificuldades econômicas que limitam o acesso da população aos produtos culturais. É responsabilidade do Estado assegurar que a produção cultural seja acessível a todos, independentemente de sua localização ou condição socioeconômica. O dever do Estado é garantir que se produza, que se entenda e que se exiba aquilo que é produzido em benefício de todos,” disse ela. “A cultura brasileira é única e deve ser valorizada e difundida, proporcionando igualdade de oportunidades no acesso a teatros, livros e quaisquer outras formas de expressão artística”.
Essa articulação do debate para compreender a articulação de uma política pública efetiva e estruturante para a preservação do audiovisual brasileiro, foi interessante para fixar a ampla relação entre preservação, memória, gerações futuras e políticas públicas que visam estabilizar o trabalho dos preservadores no país.
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Diretamente conectado com a temática preservação, que procura debater “O Futuro da Preservação Audiovisual começa no presente”, a formulação de Cármen Lúcia, mesmo de forma mais descontraída, se aproxima do texto escrito por José Quental e Vivian Malusá que afirma:
Falar sobre patrimônio é, como sabemos, uma ação do presente voltada para o passado. É no hoje, no momento presente, que reafirmamos, reformulamos e redefinido o que é ou não patrimônio, indicando caminhos para os objetos, bens, documentos e tradições que desejamos que sejam preservados e valorizados e que no futuro sigam sendo compreendidos enquanto parte do patrimônio cultural.
Esse debate sobre uma relação entre o passado, o presente e o futuro, que marca a maior parte das mesas de debate durante a CineOP, a exemplo das mesas que se debruçaram acerca do debate sobre “Inteligência Artificial e o futuro da Preservação Audiovisual”, que conta com uma ideia particularmente instigante de Almir Almas ao utilizar o ChatGPT4.0 para desenvolver um texto para compor o catálogo da CineOP, entre alguns tópicos abordados no texto, há uma apresentação brevíssima sobre a inteligência artificial, suas aplicações, abordagens éticas, mudanças na preservação audiovisual, sustentabilidade na preservação digital e outros tópicos. Almir disponibilizou para o leitor, quais foram os processos utilizados por ele na solicitação ao Chat GPT4.0. Mas uma das respostas dadas pela inteligência artificial, se comunica muito bem com um debate levantado pela CineOp.
Abordagens éticas e sustentáveis
A aplicação da IA na preservação audiovisual, embora altamente benéfica, levanta importantes questões éticas e de sustentabilidade. Desenvolver abordagens éticas e sustentáveis é crucial para proteger nosso patrimônio cultural para as gerações futuras.
Estabelecimento de práticas éticas
A preservação de material histórico deve ser conduzida com senso de responsabilidade para garantir que a autenticidade e a veracidade dos registros sejam mantidas. É fundamental que os profissionais adotem padrões rigorosos de transparência, documentando todas as modificações feitas por algoritmos de IA e justificando a necessidade dessas alterações. Os algoritmos devem ser desenhados para respeitar o contexto original dos materiais, evitando a introdução de anacronismos ou distorções que possam comprometer a integridade histórica dos registros.
A superficialidade dos comentários acerca da ética envolvida na aplicação da I.A na preservação audiovisual foi amplamente sanada no debate que contou com a presença de Marcos Alves Souza – Secretário de Direitos autorais e intelectuais do Ministério da Cultura, Paulo Barcellos – CEO da produtora O2 Filmes, Renan Porto – head Acervo Globo/ gerente de tecnologia.
Inicialmente, Marcos Alves Souza falou sobre questões particulares do Direito autoral, patrimonial e moral. Citando o Art.24 da Lei de Direitos Autorais:
Art. 24. São direitos morais do autor:
I – o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;
II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;
III – o de conservar a obra inédita;
IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;
V – o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;
VI – o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;
VII – o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado
A partir da garantia dos direitos morais, como pensar a questão da inteligência artificial no contexto de preservação de direitos e obras audiovisuais? Ou a pergunta que Marcos já antecipou: A.I comete plágio?
Essas perguntas não possuem uma resposta definitiva, mas são caminhos para pensar como entender o papel da inteligência artificial na produção e preservação audiovisual.
Foi interessante Renan prosseguir a partir da exposição de Marcos, já que a Globo possui um arquivo “estratosférico”, onde ele afirma ter o equivalente a 18km de fitas empilhadas horizontalmente (caso fosse possível), em seguida apresentou um vídeo institucional, que apresenta como funciona a organização do acervo da Globo e como a inteligência artificial pode ajudar nesse processo, desde facilitar a pesquisa por determinadas imagens, até a indexação automática dos arquivos audiovisuais.
Por fim, Paulo traçou uma breve história recente da I.A, traçando 2017 como um ano paradigmático, onde a Google reproduziu a forma de leitura humana para uma I.A, permitindo a formulação de contexto. E comentou sobre o ChatGPT 3, que surge dessa mudança paradigmática e outras formas de utilização da I.A, desde a geração de imagens até o exaustivo trabalho de conseguir trabalhar com diretrizes minuciosas na geração dessas imagens.
A polêmica aconteceu no fim de sua exposição, onde comentou sobre a restauração de Cidade de Deus e a necessidade de ter acesso ao negativo do filme é debater mudanças na cor, no som e em cenas completas do filme, como a possibilidade de “adicionar quatro buracos de bala na parede, já que não cena aparece apenas um e são cinco disparos efetivados”. Ou mesmo, modificar o som do filme, pois todas as armas do filme possuem o som de um revólver.
Certamente os representantes da preservação não gostaram dessa possibilidade levantada e o debate encerrou com pessoas questionando as drásticas interferências dessa restauração e como isso transforma a obra “Cidade de Deus” em outro filme, com uma diferente autoria.
Talvez devesse haver uma lei de garantia para esse tipo de processo também. É uma necessidade urgente se debater não apenas a I.A, mas os limites dessa “preservação ” que sobrepõe a autoria do autor original.