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Derrapada

A validade e seus contextos

Por Vitor Velloso

Derrapada

As inúmeras tentativas de criar uma estética popular para o cinema nacional, que não atravesse a comédia como um arquétipo de manutenção com o público, têm resultado em alguns projetos interessantes, “Cabeça de Nêgo” (2020), de Déo Cardoso, é um bom exemplo disso. Contudo, existem outros filmes que utilizam os dispositivos de aproximação como uma muleta, debruçando-se em temáticas particularmente midiáticas do contexto contemporâneo, seguem uma fórmula engessada de representação e acabam se tornando caricaturas de suas próprias ideias. Infelizmente, esse é o caso de “Derrapada”. 

Dirigido por Pedro Amorim, o projeto procura trabalhar uma estrutura de amadurecimento de seu protagonista, Samuca (Matheus Costa), e de sua relação com Alícia (Heslaine Vieira), envolvendo uma gravidez indesejada e precoce na vida dos adolescentes/jovens adultos. Dentre algumas tentativas de tornar o filme “descolado”, apresentar um personagem skatista, que passa a se relacionar com uma militante do movimento estudantil, no contexto das ocupações estudantis de 2016, torna-se uma boa saída para trabalhar com arquétipos particularmente simples e debater uma grave questão que afeta a sociedade, especialmente os jovens. O maior problema aqui não está na ideia, mas sim na forma de sua execução, pois tudo é programático, artificial e esticado para uma perspectiva que abraça os piores clichês televisivos, construídos em um protótipo idealista, ou idealizante. 

O movimento estudantil aparece de forma caricata, suas falas são repletas de conteúdos morais e panfletários (no pior sentido), destacando-se como uma representação vazia da realidade. Está certo que existe uma parcela que não se distancia dessa exposição realizada em “Derrapada”, porém quando tomamos as possíveis consequências dessa proposição mimética, essa particularidade retém as piores formas das manifestações. Por outro lado, é importante que haja uma obra popular que se preze a debruçar em uma temática tão relevante socialmente, já que tem uma utilidade quase didática, apresentando não apenas a possibilidade de uma discussão na perspectiva dos jovens, como também de apresentar uma realidade que vemos com frequência, o medo que pode se tornar covardia. Entretanto, até neste quesito o longa dirigido por Pedro Amorim, parece se apoiar nos pontos de digestão rápida, onde a superficialidade do debate impera e as resoluções, incluindo as familiares, parecem tão artificiais que perdem sua relevância quase que instantaneamente. Um exemplo disso são os personagens subaproveitados dos pais, caracterizados de maneira vaga e burocrática. Melina (Nanda Costa), Roberto (Luís Miranda), David (Augusto Madeira), Andrea (Jussara Mathias), Marcos (Felipe Rocha) são figuras que cruzam uma narrativa, com propósitos claros, mas sempre rasteiros, quase como dispositivos de um roteiro que visa apenas uma mensagem explícita. 

Nesta mesma escolha formal e estrutural, a trilha sonora e a fotografia se mantém como meros apoios, expondo-se como agentes catalisadores de facilidades do filme, sem desenvolver a narrativa a partir de sua discussão central. Essas funções pré-definidas e engessadas, marcam a obra do início ao fim, arrastando o que poderia levar à uma discussão aguda das problemáticas sociais para um campo comum de argumentação fragilizada pelo caráter de suas críticas morais ao que deveríamos conceber no cerne de uma estrutura cultural e social, promovido à normalidade ao longo dos anos. Está claro que o objetivo de “Derrapada” não é argumentar profundamente sobre nada, apenas expôr um recorte de maneira clara, mas até nisso o longa é prejudicado, pois seu ritmo reforça uma simbiose papelórica entre a televisão e o cinema. 

“Derrapada” é um sintoma de uma cinematografia que parece não ter compreendido seu lugar formal e social, mas é uma tentativa, em alguma medida válida, de realizar essa aproximação com uma perspectiva de renovação de público, por mais que faça isso de maneira questionável. Investe em pequenas sequências de animação, para emular as inspirações de seu protagonista, acaba escanteando a própria personagem Alícia nesse processo e se mantém como um retalho de ideias que possuem algum potencial, ainda que desperdiçados por breves escolhas repetitivas. Pode ser uma opção interessante de entretenimento nacional em um momento onde as salas de cinema se vêem engolidas pelos arrasa-quarteirões vindos do norte, mas precisaria ter um vislumbre mais sólido para promover o debate que pincela ao longo da projeção. 

2 Nota do Crítico 5 1

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