Artigo Livre: Bacurau – O Filme
De Carcará a Bacurau
Por Vitor Velloso
O Cinema Brasileiro há anos possui pequenos arautos solitários que sustentam nossa cultura, Cláudio Assis, Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Paulo Caldas, Karim Aïnouz etc. (claramente ausentei figuras já canônicas de nossa história, como Bressane, Ruy Guerra e outros). Kléber Mendonça Filho esteve presente durante a ascensão deste pequeno grupo, enquanto crítico, destacou-se pela postura em defesa do cinema nacional e presença constante em festivais internacionais, tornando-se uma das figuras mais imponentes do meio. Além disso, o Janela Internacional de Recife tornou-se um dos principais festivais de cinema do Brasil, tendo como figura central, Kléber.
Ainda que sua carreira de cineasta tenha se iniciado antes de 2008, ano de “Crítico”, seu primeiro longa, foi apenas neste ano que o diretor apareceu na mídia com mais vigor.
Desde “Vinil Verde” (2004), a personalidade de Kléber se desenhava como um arquiteto da realidade fílmica na imagem, que se vale dos recursos técnicos como meio da composição. Seu nome ganhou um adicional, pois com “O som ao redor”, o autor fazia uma reconciliação com o cinema latino-americano, brasileiro, com parte do público europeu, além de, com destreza, estruturar parte de uma vida “restrita” (socialmente) como uma projeção de uma questão macro. Assim, os louros que eram dados a ele, demonstrava uma certa tendência da crítica cinematográfica, que vem de uma influência da dramaturgia televisiva, inclinaram-se às questões temáticas e dramáticas das relações, levando o apelo formal à segundo plano.
Assim, após o sucesso de Kléber em seu filme anterior, “Aquarius” (2016) – e sua coletiva de imprensa – tornava-se a espera do momento, no cenário nacional. Indo à Cannes, o novo projeto encontrava sua janela ideal para chamar atenção, ainda que não competisse à Palma. O diretor, em face à mídia, manifesta seu repúdio ao processo de Impeachment, alertando o mundo que um golpe, com verniz democrático, tomava conta do Brasil. Sua posição e manifestação política, o fez entrar na mira de diversos meios de comunicação brasileiros, tendo como recomendação de alguns “jornalistas” o boicote à produção.
Claramente, foi um saldo positivo para “Aquarius”, que além de contar com Sônia Braga, trazia consigo um diretor que representasse o cinema do país internacionalmente. Assim que o filme estreou, a polarização política nacional se mostrava em todos os meios. Acusado de ser de “esquerda”, a perseguição que se fazia ao autor, só fortalecia sua imagem perante a maior parcela da crítica, criando assim um apoio que viria a desaguar em “Bacurau”.
“Aquarius” tinha o mérito de dar luz à um problema de proporção nacional, o despejo de moradores, por parte do Estado e do setor privado. Atingindo com verve considerável, uma cena final que representasse com precisão a situação do Congresso, rendendo diversos fãs e uma legião fiel ao seu cinema, Kléber viria figurar, mais de uma vez, na lista da Abraccine.
Mas tratava-se, ainda, de uma reconciliação com os europeus e tornava a aproximar o Brasil dos outros países latino-americanos, além de vir a abordar o processo, a partir do litoral, em uma clara postura inclinada à burguesia.
O que nos traz a “Bacurau”, quando o longa compete à Palma de Ouro, em Cannes. Levando o Cinema-Temático, do país, à Europa. Agora dividindo a direção com Juliano Dornelles, figurando na competição da mais importante e maior vitrine do mundo, o sucesso do projeto é dado como certo. Os que não conheciam o diretor, agora vão ao cinema como manifestação política contra o atual governo.
“Bacurau” é o que ele precisava para tornar-se, de fato, o nome do Brasil na cena cinematográfica. Vence o prêmio do Júri, Lima e Munique etc e confronta em ato estético a colonização e o entreguismo da política nacional.
A postura de aproximação com a burguesia permanece, ainda que atinja a mesma em seus longas, a forma não se distancia das origens burguesas, que além de simplificar a misancene (assim mesmo como Glauber Rocha escrevia), torna-se mais didática e referencial, Carpenter, De Palma e tantos outros. É uma curiosa decisão, já que não confronta à mesma em tom crítico, deixando clara a concretização da horizontalidade com o cinema estrangeiro. Possui o mérito de localizar a cinematografia brasileira perante o mercado internacional, mas acaba por endereçar à produção aos gringos.
Não por sua temática, mas pela forma, que é uma questão recorrente nos trabalhos de Kléber. O discurso é político, ainda que normalmente centralizado demais, mas a linguagem não assume seu posto. Somando a isso sua postura tímida em festivais de cinema, Kléber Mendonça Filho ocupa o pódio do Cinema Brasileiro, mas acaba rompendo apenas parte da bolha. Contudo, de “é um bicho que avoa que nem avião, é um pássaro malvado…”, Bacurau reflete a resistência política no âmbito cinematográfico. Viva Lampião e Lunga!!!