Danças Macabras, Esqueletos e Outras Fantasias
O intelectual francês e a inércia do corpo político
Por Vitor Velloso
O primeiro plano de “Danças Macabras, Esqueletos e Outras Fantasias” dá um tom bastante prosaico à produção, um bate papo entre três amigos, que tragam seus cigarros em um ambiente aberto, onde cabras e gatos “atrapalham” a conversa. Mas claro, não são três amigos quaisquer, trata-se de Pierre León (cineasta), Rita Azevedo Gomes (cineasta) e Jean Louis Schefer (crítico, escritor e teórico) iniciando uma conversa sobre a temática do longa, a misteriosa “Dança Macabra” e sua representação mórbida do período da Idade Média.
O documentário vai tratar de um longo diálogo entre os amigos, imagens de arquivo das pinturas e de filmes que utilizam tal questão, como “A Regra do Jogo” de Jean Renoir. O jogo pictórico possui uma construção bastante lenta, assim como o campo teórico, praticamente monopolizado por Schefer. A vantagem deste tempo dilatado é a capacidade de definir ao público a diretriz que irá seguir, pois a temática em si é cativante por natureza, mas a partir destes diálogos cotidianos, torna-se um tanto extensa, ainda mais pelos constantes desvios de assunto que ocorrem.
Mas dentro desta perspectiva dada por um teórico, crítico de arte, filósofo e todas as características atribuídas à um típico intelectual francês viciado em cigarro e bebedor de vinho, o longa consegue ser instigante por atravessarmos parte do conhecimento comum das pinturas e buscarmos as referências que são postas nos diálogos. Claro que para isso é necessário algum grau de engajamento do espectador, pois não é um exercício didático, ainda que não fuja tanto disso, então acaba afastando parte do público, e possui o agravante de perder o foco por volta da metade e expôr algumas fragilidades da estrutura como um todo, retornando apenas com a visita aos museus.
Os comentários ácidos de Schefer são divertidos pela sua grosseria natural, mas acaba esgotando o tempo com a unilateralidade do assunto, não há debate propriamente dito e o termo diálogo usado acima é uma compensação pelo que se propõe, porém não há essa troca entre os personagens, a única dialética possível é diretamente com quem assiste na sala de projeção.
Alguns recursos utilizados são inusitados, pois põe em cheque a autenticidade da continuidade de alguns argumentos, pois ora vemos a conversa de frente, ora de fora do cômodo, mas com aparente fluxo narrativo, contudo o cigarro denuncia a continuidade dos planos. É vigoroso este tipo de artifício, já que não tira a legitimidade de nenhum dos discursos, mas flerta com a ficção com uma verve tão sutil e natural que deturpa o espaço tempo daquilo que vemos.
E se relaciona com uma das falas de Schefer, que as “danses macabres” elas existem fora de uma realidade que conhecemos, fora da próprio tempo e espaço da pintura, ela inexiste enquanto matéria propriamente dita na tela, é algo quase exterior ao que vemos enquanto espaço. E esse pequeno jogo na câmera e na montagem, abre para uma reflexão bastante peculiar no campo do documentário e da imagem em si, que é a materialidade daquilo que se vê, ou que se projeta.
Tá certo que o campo de estudo do assunto não é novo, mas aqui temos um caso que pode denunciar uma situação específica, fomentando um debate que muito interessa ao cinema e aos três presentes no filme.
“Danças Macabras, Esqueletos e outras Fantasias” não é um filme que abrange um grande número de espectadores, ele define seu público com precisão logo no início da projeção e confia aos mesmos que haja alguma aproximação com aquilo que surge na tela, caso contrário, a desistência será iminente. Acaba retratando muito bem características dessa Europa Intelectual, que é quase um arquétipo, através da direção dos três presentes, mas sem dúvida agrada diretamente o público fã de Pierre León e Rita Azevedo, ainda que não se conecte com qualquer discurso que diz respeito à América Latina.