Cruella
A Arlequina mudou de empresa
Por Vitor Velloso
Disney +
A Disney retorna às telonas trazendo mais um filme de origem de seus personagens icônicos, o longa da vez é “Cruella” de Craig Gillespie, que chega como uma promessa de bilheteria e procura agradar parte do público na releitura que caminha entre o drama, o crime e o pop. Essa construção é feita a partir da estética popularizada nos últimos anos, onde a câmera na mão se une às sombras mais definidas, tentando encontrar uma seriedade maior em parte da narrativa, sem perder o lúdico de vista.
Nesse campo, o diálogo expositivo (por vezes brega) pavimenta uma relação espelhada entre as protagonistas, tentando assimilar os universos por aquilo que caracteriza a queda das máscaras na “gênese do novo”. Não à toa, o longa investe na concepção das estilistas de maneira dicotômica, compreende o rigor e o clássico de um dos campos em contraposição à atitude digressiva, caótica de “Cruella”. Está claro que há uma aproximação didática e expositiva que mantém o barato todo no eixo que a Disney quer, manter o caráter lúdico sem apelar para o infantil. A paleta de cores reflete esse lado mais “sombrio” da protagonista, a narração em off suaviza o meio-campo e a protagonista é tratada como o ponto fora da curva, a digressão em si, o não-domável. Trabalhando essa ideia, a trilha sonora cria um mosaico para encontrar o momento histórico inglês nos anos 70 nessas breves representações dramáticas. “Feeling Good”, “Should I Stay or Should I Go” e “I Wanna Be Your Dog” são algumas das canções que aparecem no projeto, nessa tentativa de caminhar com o espectador para um projeto que seja didático na medida que a Disney procura.
O contexto é uma desculpa para algumas aventuras estéticas que a produção estava procurando, não à toa se utiliza da ideia do espetáculo com os desfechos e aberturas monumentais para criar algumas pirotecnias padrões da Disney, onde o lúdico retorna em eixos menos abstratos. O esquema do inseto, o fogo no vestido etc, são investidas na “magia” de outrora, que encontra pontos para fixar um barato visual que tenta estimular ainda mais. São cortes rápidos na maioria das cenas, uma estrutura temporal que prioriza o caráter dramático de quem protagoniza o quadro, que transa com os pop-ups de notícias e uma dinâmica que tenta dar movimento constante às oscilações de “Cruella”. O filme acha um certo rigor com Baronesa (Emma Thompson) no centro e os planos são mais fixos, claros e mostram que todos os eixos levam a ela. Já com a personagem título, o jogo é mais móvel, a paleta de cores mais escura, as sombras mais pesadas e a câmera na mão vai encontrando seu objeto.
Em determinado momento esse esquema acaba ficando previsível demais e as coisas passam a perder o impacto e o espectador começa a olhar pro relógio. O longa parece querer adiar a todo custo seu clímax, preparando como um evento digno de quase duas horas e vinte, sem o resultado esperado. Essa oscilação no ritmo, vem de uma trama que corre quase paralelamente com a de Baronesa e Cruella, envolvendo cachorros e amigos que estão com ela (Estella) para a jornada. Mas os eixos são frágeis, apelativos e o efeito especial não ajuda na manutenção do foco, pelo contrário, alguns breves movimentos dos cachorros são o suficiente para desencantar parte do público.
“Cruella” é um filme mais consciente e sólido que muitos ansiavam, menos engraçado que gostariam, mas divertido em sua grande parte. Funciona em torno da química de sintonias e oposições entre Cruella e Baronesa, funcionando em uma misancene pouco inventiva, mas que consegue organizar os eixos mais pré-fabricados em momentos de menor relevância. Reservando alguns blocos onde o longa cresce e consegue impactos diretos no espectador que gosta da clássica vilã. Como na intenção da produção, o recorte entre os insetos e o show na rua, consegue uma dinâmica bem versátil entre os dois polos, em uma velocidade estimulante, com uma coreografia que revela aquilo que o fã estava aguardando desde o início. Demora, mas uma hora a gente chega lá.