Nostalgia, América e Previsibilidades
Por Vitor Velloso
Como criar propagandas norte-americanas disfarçadas de entretenimento massivo? Hollywood fez isso a vida inteira. Em “Vingadores: Ultimato”, esse imperialismo cultural, é excessivo.
Dirigido por Joe e Anthony Russo, o vigésimo segundo filme do Universo Marvel chega aos cinemas. A quantidade abusiva de lançamentos anuais que a empresa faz é uma coisa assombrosa. 80% das salas de cinema no Brasil irão aderir à colonização e exibir o longa. Oitenta por cento. O número estratosférico se reflete na ansiedade coletiva dos fãs em assistir como se dará o desfecho da trama iniciada em “Guerra Infinita”. Gritos, aplausos, choro, tudo isso será possível presenciar durante uma exibição de “Ultimato”. Os incessantes gritos que impedem o espectador de escutar o filme, os aplausos em cenas completamente previsíveis e os gritos em cenas aleatórias fazem parte da experiência. A euforia não é algo que incomoda diretamente, o problema é essa histeria traduzir-se em perda de senso crítico, sem fazer qualquer alusão negativa aos espectadores, pois, os fãs estão sendo completamente seduzidos pelas sequências, eles são arremessados de cabeça em algo de uma intensidade tão grande, que os fazem perder a sensibilidade.
A reflexão não demora a acontecer, logo nos primeiros minutos em uma cena pífia e completamente inútil à narrativa, ou qualquer drama, gargalhadas se espalham pela sala de cinema, a cena não é engraçada, pelo contrário, é um banho de água fria nos primeiros planos que dão um impacto forte daquilo que estamos assistindo. E essa quebra de construção é o que irá reger o filme até o fim, nada deve ser levado a sério, tudo é motivo de piada, cada centímetro da imagem é uma deixa cômica para algum personagem quebrar o crescendo da situação. E auxiliado por uma exposição fajuta da montagem, que prioriza um didatismo tolo das comicidades. Aliás, dispositivos que expõe gravemente cada intenção dos realizadores, é o que não falta, durante toda a projeção vemos frases de efeito e diálogos esdrúxulos (algumas linhas são realmente terríveis), com exceção de uma, próximo ao fim, que é completamente destruído pela necessidade de mostrar passo a passo algo sem necessidade. Infelizmente, isso é visível na direção dos irmãos, que optam por um jogo formal pouco criativo, que repete todos os gatilhos utilizados anteriormente, apenas adaptando à situação. E acabam tentando compensar isso com algumas necessidades de autoafirmação que não condiz com o projeto, exemplo na cena das lápides.
A fotografia mantém o mesmo padrão de sempre, lavada, sem expressão.
Cada coisa na tela foi pensada única e exclusivamente para uma coisa, criar nostalgia. A estrutura inteira é realizada mirando os onze anos do Universo da Marvel, auto homenagens, piadas que se repetem, enquadramentos e às vezes cenas inteiras. Tudo em prol da ampliação desse sentimento nostálgico, visando uma grandiosidade do olhar para que, finalmente, aconteça o terceiro ato, o desfecho daquele que é o maior (não melhor) filme da Marvel. Não há comparação da dimensão das lutas aqui, com o que foi antes. E é onde os fãs são pegos facilmente, auto referenciação e “cenas incríveis” (leia-se, coisas que todos queriam ver a muito tempo). Esse fanservice todo ocorre de maneira extremamente previsível, com uma ou duas exceções, mas que logo são engolidas por outra situação. Nada aqui se estabelece, não há tempo, são três longas horas no cinema onde resoluções fáceis estão longe de serem prioridade, deve-se sempre manter o espectador aflito por determinados encontros e previsões de acontecimentos bombásticos. De certa maneira funciona, mas o recurso fica tão repetitivo que passa a perder o sentido, logo, deve-se procurar cenas maiores, sempre mais. E neste meio tempo, o imperialismo norte-americano vai se infiltrando na trama de forma intensa, até tornar-se piegas, em um extremo de patriotismo, que é patético pela proposta, sendo um teste direto do espectador. “Até onde você aguenta?”
Aliás, piegas é uma descrição válida de inúmeras coisas aqui, além dos diálogos, poses heróicas, zooms dramáticos, uma montagem que prioriza a reação dos personagens, sempre excessivas, e aqui torno a dizer, a Capitã Marvel é uma personagem quase caricata de tão expressivamente óbvia.
Agora, “Ultimato” se defende de toda sua colonização cultural com lampejos de ideologias progressistas. Empoderamento feminino, existe uma cena bem emblemática, e outras questões. Mas não cede a bola ao homem hétero branco, nunca, e jamais à bandeira americana. Esse conservadorismo na estrutura, na informação direta, concedendo espaço aquilo que é contrário ao próprio discurso, inclusive o patriarcalismo, não passa de uma desculpa para tornar menos tóxico toda essa glorificação ufanista. E tem gente que ainda bate palma (brasileiros) para essa questão nacionalista. Enquanto não há reflexão acerca destes “valores”.
“Ultimato” é tudo aquilo que todos esperavam e mais um pouco. Está longe de ser um filme sólido, com problemas sérios de ritmo, uma direção bem menos criativa que nos outros projetos, que decide manter-se no seguro e uma trilha sonora irritante que é utilizada constantemente a fim de expor algum sentimento. Possui diversas incoerências no roteiro (uma delas envolve o próprio uso da manopla). É imperialista e se passa de bonzinho. Não acerta em cheio quase nada (formalmente), mas não erra gravemente, pois, se fixa naquilo que há de mais medíocre nas intenções de um realizador, oportunismo. E quando ele surge através de uma retro alimentação de ego gigantesca que não se consolida enquanto força criativa e precisa agradar aos fãs sem concessões, temos uma obra que tange a mediocridade, não por seus erros, mas por acreditar que acerto é sinônimo de aplauso de fã.
1 Comentário para "Vingadores: Ultimato"
Vítor, procure coisas que lhe façam feliz. Não viva assim. Não vale a pena.