A Guerra, muito, além de tiros e bombas
Por Marcus Teixeira
Esqueçam as cenas de bombas estourando. Esqueça cenas de tiros e pessoas ensanguentadas. Para quem pretende assistir “A viagem de Fanny” em busca deste estilo de filme terá uma decepção, pois o principal não está nas explosões e sim nos desencontros e sonhos sobre a perspectiva do olhar de Fanny, uma menina de doze anos, para a guerra.
A Segunda Guerra Mundial parece ser uma fonte inesgotável de enredos para a indústria cinematográfica. Diversos filmes já retrataram o período sobre os mais diversos aspectos e personagens. Histórias para os mais diversos públicos. Filmes como “A vida é Bela”, “O Pianista”, “O menino do Pijama Listrado”, até mesmo o brasileiro “Olga”, são alguns dos exemplos de obras que resgataram a memória dos horrores da Segunda Guerra.
Em “A vida é Bela” temos um campo de concentração e um pai que usa a imaginação para disfarçar os horrores da Segunda Guerra, já em “A vida de Fanny” a imaginação não permite brincar, o que está em jogo é a sobrevivência de um grupo de crianças, que sem os pais, fogem da possibilidade da execução. Ainda que a perspectiva seja o olhar de uma criança de doze anos, o tom do filme está longe de ser infantil, a realidade faz com que o olhar sobre a infância se perca em meio a necessidade da sobrevivência.
Fanny (Léonie Souchaud) é uma menina de apenas doze anos, após seus pais a entregarem em um abrigo para crianças judias, passa a cuidar de suas duas irmãs. O fato de ser a mais velha, faz com que Fanny tenha uma visão mais madura sobre alguns acontecimentos recente na vida delas. O fato de não receber mais visitas e notícias dos pais, parece acelerar o amadurecimento de Fanny, que aos poucos vai desconstruindo a imagem infantil diante de uma realidade cada vez mais dura com ela e suas irmãs.
A rotina das crianças no abrigo não é das melhores. O medo em ter o esconderijo revelado, faz com que estejam sempre mudando de abrigo. A noite as crianças são acordadas e questionadas sobre seus nomes e como devem ser chamadas, uma maneira de não descobrirem seus nomes verdadeiros, em caso de serem confrontadas com algum militar alemão.
A queda de Mussolini e iminente invasão alemã, acaba precipitando a fuga das crianças, que partem em direção à fronteira com a Suíça, país aliado americano, que não caçava os judeus. O percurso até lá, como era de se esperar, não é dos mais tranquilos, principalmente pelo fato de estarem sozinhas sem nenhum adulto. A teimosia e a maturidade de Fanny acaba transformando ela em uma líder, a responsável por guiar as crianças até a fronteira.
A partir do que vemos, sem os adultos por perto, e o brilhantismo da interpretação de todas as crianças. Com os personagens libertos dos adultos, único ele deles com uma vida familiar, acabam encontrando um nos outros a confiança para seguirem em frente. O drama e a tensão causam uma apreensão nos espectadores, que passam a acompanhar esta batalha particular sobre o olhar deles.
A direção de Lola Doilon, expressam a sutileza necessária para transformar o filme em uma obra lúdica. Ciente que é o olhar das crianças que conduz a história Lola, parece não aprofundar nas dores da guerra, optando por tratar dar visibilidade ao olhar infantil diante da guerra e da saudade dos seus pais. A diretora é muita feliz ao optar por não trazer mortes de forma clara, pois elas ficam no subtendido dos espectadores, conforme os personagens adultos “desaparecem” da história.
A saga de Fanny, suas irmãs e seus amigos, é um relato real da luta pela sobrevivência de crianças, que a cada oportunidade que podem se permitem viver a infância, que em vários momentos deixam de lado. Uma cena linda, em especial, é quando um personagem deixa todo o dinheiro que o pai lhe deixou escapar de sua bolsa e todos correm para pegar as notas, uma cena simples, porém, o vento levando as notas, os sorrisos que até então não tínhamos visto, fazem nos lembrar que ali são crianças sendo retratadas.
Filmes que retratam guerras parecem seguir um caminho confortável, retratando, uma paixão ou um drama familiar, contudo trazer o drama de crianças que estão em busca seus pais e da própria sobrevivência é dar luz aos órfãos que as histórias esquecem de retratar. A viagem de Fanny” é tocante e sensível e vale cada minuto da duração do filme.