Curta Paranagua 2024

Um Dia Para Viver

O estilo subverte a lógica

Por Vitor Velloso


Sempre conhecido por desafiar limites e barreiras do cinema de sua época, ação sempre foi um dos gêneros mais autorais do mercado Hollywoodiano. Isso se deve pelo fato de novos e antigos cineastas poderem praticar técnicas insanas para poder realizar determinadas ideias. Com o advento do Cinema Digital, os autores puderam introduzir pontos de vistas, movimentos de câmera e texturas, impulsionando o gênero à outro nível. Com isso, também revitalizou certos saudosismos, logo, a discussão autoral contemporânea passou a ser mais complexa, pois, diversos realizadores passaram a resgatar nostalgias e conceitos que se perderam durante o tempo, gerando assim, uma trombose de genéricos pelo circuito.

Os filmes do gênero sofreram um impacto muito forte com a vinda da trilogia Bourne. Era um personagem atormentado, implacável e brutal. Seu estilo agressivo de precisão, obrigaram os estúdios a remodelar seus arquétipos. Afinal, Bourne matou o retrato clássico de James Bond, não à toa, Cassino Royale começa com uma cena do personagem arrebentando outro, em um banheiro de metrô, o que era inconcebível para determinados fãs. A câmera nervosa de Doug Liman e Paul Greengrass, também foi levada ao espião britânico. Esse rompimento com o passado, veio ainda mais forte com o Colateral, do Michael Mann, onde o uso do digital, mesmo que com uma resolução diferente, era usado como linguagem a partir da ideia do diretor sobre como Los Angeles deveria ser retratada no filme. Assim como, em uma determinada cena de capotamento, vemos vários ângulos diferentes, isso porque a câmera digital é muito mais leve e fácil de instalar em locais distintos.

Em 2008, o gênero sofre outro impacto, Busca Implacável do Pierre Morel. Liam Neeson re-inaugurou o subgênero “coroas que arrebentam todo mundo com meio polegar”. É claro que a proposta é antiga, Charles Bronson fazia isso a muito tempo já. Assim como o Seagal, não que alguém se importe com isto. E no mesmo ano, saiu o reboot de Rambo, trazendo um Stallone bem mais velho já. A moda pegou e “Mercenários” foi lançado em 2010, a franquia ressuscitou vários astros da ação e deu continuidade ao trabalho de outros como o caso de Jason Statham, que já vinha realizando diversos filmes do gênero, incluindo um remake do clássico do Bronson, “Assassino a preço fixo”. Statham começou a chamar atenção com os filmes de Guy Ritchie, “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes” (1998) e “Snatch” (2000), que já carregavam influência dos videoclipes com suas vinhetas e montagem acelerada. Essa pegada aliada ao espírito clássico do homem imbatível, rendeu o “Carga Explosiva” ainda em 2002. Que logo foi substituído pela contemporaneidade “Adrenalina” (2009), que tinham a mesma intenção narrativa, mas cada um com suas referências temporais e linguísticas diferentes. Curiosamente, todas essas influências vinham sendo introduzidas em muitas outras franquias da época. A montagem acelerada atrelada ao sucesso de Need for Speed e toda a paixão por carros turbinados, típico dos anos 90, deu origem a uma das franquias mais bem sucedidas do momento: “Velozes e Furiosos”. Que modificou sua proposta a partir do quarto filme da franquia, trazendo o elemento da ação, como algo realmente norteador do objeto.

“Missão Impossível” que havia começado sua trajetória em 1996, como um filme de espionagem, de repente viu toda virar de cabeça pra baixo com o segundo filme, dirigido pelo lendário John Woo, o homem que revolucionou o cinema de ação. E desde então, a franquia se mantém como um filme de sequências frenéticas mais que um filme de espionagem. Os novos filmes então que o digam, são doses de adrenalina a cada 20 minutos. E se a ponta de lança de tudo isso tornou-se a velocidade e a coreografia, munido da plasticidade que havia sido implementada por John Woo e aproveitando o saudosismo dos brutamontes retornando às telas, era claro, iria surgir um estilo de filme, potencializado pela nostalgia bruta. Então vimos “Duro de Matar” voltar, Mel Gibson retornar e pouco depois, Keanu Reeves. Que havia sido uma das maiores estrelas da década de 90 com “Velocidade Máxima” e “Point Break”, e óbvio, Matrix.

Existem dois filmes específicos que chacoalharam o mercado em geral: Matrix e Sin City. Ainda que eles se apropriem de outros gêneros. Tanto a misancene, formulada por eles, como a quebra da perspectiva espacial narrativa, fariam do século XXI, o ambiente perfeito para o mercado de ação. Isso, abriu espaço para que outros autores buscassem novas ideias para a situação, então teríamos: “De Volta ao Jogo”, que trouxe Keanu de volta e unificou a estética oitentista, com a contemporaneidade, criando velocidade através da ação e coreografia,em detrimento da montagem. E tivemos o seu contraponto, com Jaume Collet-Serra, que teve mais impacto com “Sem Escalas”. Utilizando exatamente a proposta formalista como centro narrativo, o hiperbolificação das ferramentas tecnológicas como dispositivos concretos de compreensão dramática. “O passageiro” seu filme mais recente, é o ápice deste pensamento.

Os utensílios formais, permitiram o intenso retorno de Mad Max. Onde George Miller, empurrou até onde foi permitido as possibilidades pragmáticas de filmagem. “Estrada da Fúria” foi encarado como um grande divisor de águas desta proposta. E “Hardcore Henry: Missão Extrema”, goste ou não, veio para implementar a verdadeira experiência dos videogames para o cinema. E não apenas a proposta estruturalista de Paul W.S Anderson com a franquia Resident Evil, que depois se transformou à uma hipertrofia da fórmula, que usava a vulgaridade estilística como ponto chave da forma. Ainda que não tenha agradado a muitos, a construção contemporânea deste mercado, nos traz ao filme em questão.

“Um dia para sobreviver” é uma espécie de mistura dos dois casos. Dirigido por Brian Srmz, que dirigiu o horroroso “Herói”, a trama acompanha Travis Conrad (Ethan Hawke), um assassino de aluguel que está tirando de férias, mas é persuadido por Jim Morrow (Paul Anderson), um velho amigo de ofício, a assassinar Keith Zera (Tyrone Keogh), antes que este faça uma delação contra a Montanha Vermelha, corporação que o está contratando. Porém, em determinado momento do filme, ele torna-se ficção científica, pois, Travis é assassinado por Lin Bisset (Xu Qing), mas é revivido pela médica da corporação. Após dar o paradeiro do alvo para a empresa, revela-se que ele morrerá em 24 horas, e que eles apenas o usaram. Então, é uma corrida contra o tempo, para buscar sua vingança e explicações.

A narrativa é bastante genérica, por vezes, ridícula e muito previsível. Mas ainda assim consegue ser brevemente divertida em certos momentos. O carisma do Ethan Hawke, certamente, é um dos fatores que traz essa diversão. Seu estilo canastrão e despreocupado, cria um personagem preciso mas irresponsável. Não que seu personagem tenha sido escrito dessa forma, este é o Ethan Hawke quando não tá muito afim de se esforçar. O mesmo não pode ser dito de Paul Anderson, que beira o patético sempre que tenta impor alguma emoção.

Toda essa construção histórica, ainda que possua falhas, é para introduzir a ideologia simples que se tem neste filme. A gamificação como estrutura dramática, até mesmo em sua proposta de clichês e construção estética gradual. O filme se transforma completamente a partir do momento que o protagonista descobre ter apenas mais um dia de vida. O elemento da ficção científica, gera uma mutação na linguagem fílmica. Um plano específico, quando o personagem sai da maca e assassina dois soldados com um bisturi, exemplifica isso. A montagem da cena, seguida de um plano fechado que se modifica à um plano holandês, dá o tom que veremos no resto do filme.

A previsibilidade da história e os problemas conceituais, faz o diretor perder-se nas próprias propostas. Os diálogos hiper expositivos, que são usados como muleta, vão se embolando nas atuações duvidosas. E quando toda a proposta estética parece que vai retornar, ele mergulha num drama barato, meloso e tedioso. É uma pena ter que sacrificar um conceito funcional, por bilheteria garantida. Se a artificialidade uma vez foi usada como injeção de frenesi para a violência desenfreada, ela se perde nas páginas do roteiro e é esquecida pela câmera.

2 Nota do Crítico 5 1

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