Um Banho de Vida
Ou tudo ou nada
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2018
Se em “Ou Tudo Ou Nada”, obra inglesa dirigida por Peter Cattaneo, e na francesa “Normandia Nua”, de Philippe Le Guay, a premissa é a sobrevivência financeira com a exposição do corpo, uns por striptease e outros por vislumbrar uma possibilidade artística de salvar um lugarejo-comunidade, então aqui, em “Um Banho de Vida”, a motivação é uma necessária e quase obrigatória salvação contra a patologia da depressão. As três ficções possuem a semelhante característica de serem exemplos de filmes de situações awkward, em que suas personagens são conduzidas pelo acaso a momentos constrangedores, absurdamente sociais e por estranhezas incompatíveis que se combinam no final.
Com a ideia de um grupo inexperiente formar uma equipe de nado sincronizado masculino e competir pela medalha, “Um Banho de Vida”, exibido hors-concours no Festival de Cannes 2018, busca conduzir o público por uma orgânica humanização ao reverberar ações espontâneas, propositalmente amadoras. É um filme que quer a atmosfera do coloquial. “Um Banho de Vida”, sobre “tudo redondo e quadrado”, deseja importar uma nostalgia dos anos oitenta com suas icônicas músicas, principalmente pelo som do grupo INXS. Há uma modernização dos valores quando o homem á apresentado como apático (sem ação, dramático, vitimado e colocando remédios no cereal) e a mulher, enérgica, prática e tomadora das rédeas. “Cigarro sim, beijo não”, impõe-se, entre aproximações da câmera, explícita e elegante ao mesmo tempo.
“Um Banho de Vida”, de Gilles Lellouche (ator francês, que desde 2003 investe na direção com “Problemas de um Dorminhoco” e “Infiéis”), é um dos integrantes da chamada Nova Cinematografia francesa, que procura o humor mais óbvio, mais absurdamente pastelão e mais popular. E dentro de toda essa graça, o propósito maior é fazer uma crítica contra a robotização e precariedade dos indivíduos sociais. Contudo aqui há muito mais espontaneidade, mais liberdade cômica, de fazer acontecer sem encenar. Quase um “007” com picardias.
Com uma radical e única atitude de reverter o estágio depressivo, esses “amadores desastrados” aceitam a “disciplina” dos treinos. E mudam suas vidas e ganham novos amigos. Com maconha, mãe bipolar, múltiplas idiossincrasias, sauna e “coisas metafísicas”. Cada um deles tem um problema comum. Eles precisam aprender a ser “patrão” de si mesmos. E por que não representar o Water Ballet dos filmes dos anos cinquenta? Sim, é neste ponto, quando aceita perder os limites, que esta ficção realmente acontece. Bertrand (o ator Mathieu Amalric, de “O Escafandro e a Borboleta”, “Turnê”, este que também assumiu a direção) está no “auge” dos seus quarentas anos e sofre de depressão. Depois de usar uma série de medicamentos que não surtiram nenhum efeito, ele começa a frequentar a piscina municipal do bairro em que vive. Lá ele conhece outros homens com histórias semelhantes a sua. O grupo se junta e forma uma equipe masculina de nado sincronizado, algo incomum dentro do esporte. Sob o comando de Delphine (a atriz belga Virginie Efira, de “Elle”), uma ex-atleta vitoriosa, Bertrand e os novos companheiros decidem participar do Campeonato Mundial de Nado Sincronizado, encontrando, enfim, um novo propósito para sua vida.
Pode ser considerado um filme coral, porque é desenvolvida a história pessoal de cada um deles, que já perderam há muito o senso do ridículo. Até porque se analisarmos o comportamento dessa existência destoada, veremos que é uma convenção sócio-popular. É o todo engessado pelos poucos que ditam as regras do que é certo, errado, feio e ou bonito. Com ou sem a música “Chariots of Fire”, do grego Vangelis, presente em “Carruagens de Fogo”, de Hugh Hudson.
“Um Banho de Vida” é um retrato-espelho da vida surreal de todo dia. Com seus “pensamentos atrofiados de vingança” de um “mundo hostil que deixa as pessoas mais sozinhas e os diferentes mais deprimidos”. É “disfuncional no limite” que com esse ridículo (relativo sempre) acordam um esperançoso entusiasmo. Uma passional alegria quase infantil. Uma inocência perdida que rasga o coração e não cria mais o não. Eles tornam-se artistas. E quando chega o grande dia, ganhar ou perder é irrelevante. Mas a vitória representa sim um recomeço. Dar a volta por cima. Recuperar as rédeas. E com a inserção da música do grupo islandês Sigur Rós, o filme almeja uma atmosfera mais sensorial. De que “sonhos são importantes”. De uma coloquial auto-ajuda. É sobre comunhão do acreditar e sobre respirar de novo. Concluindo, ganhar neste caso é um mero plus da vida.