Uma ode ao universo materno
Por Fabricio Duque
O novo filme, “Tully”, do diretor canadense Jason Reitman (de “Juno”, “Amor Sem Escalas”, “Obrigado por Fumar”, “Jovens Adultos” e filho de Ivan Reitman), busca conduzir o espectador a uma experiência sensorial, de personificação dos estágios sentimentais de uma mãe em processo pós-parto, cujo tempo precisa cuidar sem parar de seu bebê. É uma ode a esta pessoa que abre mão de sua própria vida, transcendendo impossíveis limites aceitáveis, para proteger e fornecer a melhor “boa vinda” a este mundo.
A narrativa, à moda do realismo “Boyhood” de Richard Linklater com o elemento fantástico de Guilhermo Del Toro, é iniciada com artificialidade para depois desenvolver seu conceito que é nos colocar dentro de uma epifania existencialista, de uma fuga-catarse, de uma fantasia que mais parece o universo de Jacques Demy e seu “Pele de Asno”.
Aqui, a realidade viaja a uma palpável imaginação concretista. A uma loucura defesa. A uma aventura de aceitar uma condição que não mudará. Pelo menos por um longo enquanto. É o querer ajuda de “Mary Poppins” e ou “Nanny McPhee, a Babá Encantada”. De acalentar a alma com merecidos descansos e diversões.
É uma trajetória metafísica. Um épico naturalista do ser humano que precisa lidar com o desconhecido e com o instinto de salvar o outro de todos os perigos e atender todos os quereres codificados. O choro, o riso, a hora de comer, tudo e cada coisa se transforma na tarefa mais importante.
Marlo (Charlize Theron), mãe de três filhos, sendo um deles um recém-nascido, vive uma vida muito atarefada, e, certo dia, ganha de presente de seu irmão: uma babá para cuidar das crianças durante a noite. Antes um pouco hesitante, Marlo acaba se surpreendendo com Tully (Mackenzie Davis).
“Tully” é uma homenagem humanista, orgânica, libertadora, visceral e radical à arte da maternidade. Por uma estrutura de cinema direto, de cotidiano, de naturalizar as conversas (ordinárias e comuns da vida contemporânea), de micro-ações fragmentadas elipses e por uma fotografia alaranjada (pausada em específicas lembranças). É também mais que um filme militante à tolerância do autismo (de um filho “peculiar” e “afetivo demais” que “monopoliza a atenção” versus a filha “lógica” demais, uma “extensão” da mãe), e sim é um filme que se utiliza de inúmeras “tentativas e erros” para encontrar o timing perfeito.
Mas o filme quer uma quebra na própria condução ao soar uma atmosfera mais encenada de artificialidade aprofundada, principalmente quando, propositalmente, estimula o constrangimento com a “verdade”. Entre ordens a “Siri” para “tocar Hip Hop”, viagens ao Taiti, vidas ricas e moderninhas, tiradas desconfortáveis, “terceirizar a vida com a babá”, “Tully” é um caminho que vem para ajudar a uma mãe que “parece que está afundando” e a nós um convite de apenas observar e não nos envolver.
É uma novela da vida real. Das dificuldades organizacionais de manter toda a “engrenagem” funcionando. Da odisseia da repetição. Do guerreiro dia-a-dia que cansa e esgota. Até quando uma mãe pode agüentar cuidar de tudo sozinha? É a retórica do filme. “Mãe, o que houve com seu corpo?”, pergunta a filha.
Não há como negar certas semelhanças com o filme anterior do diretor, “Homens, Mulheres e Filhos”, quando imprime o paralelismo peremptório do individualismo. Da crítica de um ser humano que necessita abdicar da própria vida para cuidar de outra. Tully é um anjo com “energia demais”, uma “bruxa do bem”, que conhece a rotina, que sabe exatamente o que a família precisa e o que a mãe pensa. Que não julga o programa sobre Gigolôs que passa na televisão.
Com ela, Marlo consegue tomar as rédeas da situação. Respirar novamente. Dormir novamente. Descansar novamente. “Não dá para cuidar da parte sem o todo”, diz-se com perspicácia, com esperança (“sempre há uma oportunidade melhor”) e com sinceridade de se conversar abertamente sobre sexo. Marlo recarrega as baterias. Dança “Call me Maybe”, Cindy Lauper e rock “pauleira” e se ajusta ao marido. Com bicicletas roubadas, revisitações ao passado
“Tully” preenche o vazio, faz com que viajemos ao córtex das ações. A um cérebro visível. Ao percebemos isso, tudo faz sentido. Toda fantasia e possível e embasada, ainda que o final potencialize um que sentimental demais. É uma aventura de uma vida que é representada em tantas outras, nas mesmas ocasiões e dificuldades, em se lidar com os limites psicológicos e físicos.