Top of the Lake: China Girl: A Segunda Temporada Completa
Por Luiz Oliveira
Raras são as vezes em que se assiste uma temporada de uma série televisiva em uma única sentada, mesmo nestes dias de “binge-watching”. Mais difícil ainda assistir tudo em uma sala de cinema em vez do sofá caseiro. Pois o Festival reservou uma sala e uma sessão para a exibição dos 6 episódios da 2a temporada de “Top of the Lake”, série da renomada diretora neo-zelandesa Jane Campion (única mulher a vencer uma Palma de Ouro), em uma só lapada. Nada mal.
“Top of the Lake” é, em sua descrição mais básica, uma série policial. Esta segunda temporada, que tem o subtítulo “China Girl”, começa com um corpo dentro de uma mala, encontrado em Bondi beach, uma praia famosa da capital australiana, Sydney. A detetive Robin Griffin (Elisabeth Moss) pega o caso e logo descobre que a vítima é uma prostituta tailandesa com o nom de guerre Cinnamon. Assim como a grande maioria dos policiais, este começa com a fórmula que sempre envolve o corpo de uma mulher jovem descoberto na paisagem (“Twin Peaks” e “True Detective” são exemplos). A importante diferença deste trabalho é que a detetive é uma mulher. Além disso claro, tem-se a própria Jane Campion como co-diretora e co-roteirista.
Trata-se aqui de um caso completamente diferenciado daquele solucionado na 1a temporada, aonde Griffin revela a existência de um ringue de pedofilia em sua cidade natal na Nova Zelândia. O caso, ocorrido 4 anos antes, fez a detetive desistir de vez da sua terra natal (um trauma de adolescência já tinha provocado seu auto-exílio na Austrália, e a 1a temporada foi seu retorno, que não deu certo). Como um dos temas da série é lidar com o passado, porém, fica impossível aproveitar “China Girl” sem antes passar pela 1a temporada e poder discutir seus spoilers, o que farei a seguir.
Uma das habitantes de Sydney é Mary (Alice Englert), uma adolescente de 17 anos que Robin Griffin colocou para adoção quando nasceu. Mary, veja-se, nasceu de um estupro que a detetive sofreu quando tinha 15 anos. Ela foi adotada por Julia (Nicole Kidman) e Pyke (Ewen Leslie), que nos dias atuais estão se divorciando depois que Julia se apaixonou por outra mulher. Além disso, Mary namora Puss (David Dencik), quase 30 anos mais velho e, coincidentemente, habitante do bordel onde Cinnamon trabalhava.
Enquanto Griffin tenta conhecer e criar um relacionamento com sua filha, ela ainda tem de lidar com um departamento de polícia composto e chefiado por homens. A única outra mulher que vemos na delegacia é a parceira de Griffin, Miranda (Gwendline Christie), profissional um tanto desvairada que é a amante grávida de um homem casado.
É importante notar que uma fiel descrição da premissa dessa série fala menos sobre o mistério criminoso do que sobre os personagens que pontuam nesta história. “Top of the Lake: China Girl”, assim como os episódios que a precederam, estão mais interessados em uma exploração sobre a feminilidade e o panorama emocional de mulheres forçadas a lidar com violência tipicamente masculina do que com a solução do mistério em si. Embora haja uma explicação e uma motivação para o crime que ocorre na série, não existe uma solução, mesmo que o bandido se dê mal no final.
E que bandido. Puss é um dos vilões mais desprezíveis já vistos num filme ou numa série de TV. Avesso a resolver as coisas com as próprias mãos, ele prefere seduzir e manipular as mulheres ao seu redor. Com seu sotaque alemão e capacidade de citar e analisar grandes pensadores da História, Puss se diverte ridicularizando os outros para então instruí-los e doutriná-los com seu brilhantismo. Assistí-lo nessa série é um prazer deprimente–prazer por ver um ator se afundar tanto num personagem e deprimente por imaginar o que os predadores como ele conseguem tirar de suas vítimas. Numa série menos interessante, ele teria um pingo de simpatia ou redenção. Nas mãos de Campion, ele é uma sórdida representação do pior machismo. (O único defeito da série é a incrível coincidência dele ser o namorado de Mary, filha da mesma pessoa que está atrás dele pelo crime de assassinato.)
Existe uma pequena relação aqui com “O Silêncio dos Inocentes”, aonde a agente do FBI Clarice Sterling é a única mulher dentro de um departamento inteiro de homens hostis. “China Girl”, entretanto, mergulha em todos os cantos da psyche de sua detetive principal. Tanto Sterling quanto Griffin estão fugindo de seus passados, mesmo que seja uma tarefa impossível. Além dela, as outras mulheres da série também são plenamente realizadas, cada uma vivendo problemas sem solução.
Assistir “Top of the Lake”, tanto a primeira quanto a segunda temporada, não é uma tarefa otimista. Mas também não é pessimista. Sua genialidade vem de explorar essa tarefa de Sisifo que é ser uma mulher num mundo masculino. É necessário e merece ser visto.
1 Comentário para "Top of The Lake: China Girl"
Há outros defeitos, fora a coincidência de mãe e “cafetão” estarem ligados à menina. Mesmo ela, Mary, é um personagem pouco crível. Seu jeitinho de normalista (acho que a maioria aqui não sabe o que era uma normalista), fica totalmente fora do universo pervertido do amante Puss. Tá, até que, com muito esforço, possamos imaginar a possibilidade de manter sua áurea santa afora o meio, mas é bem difícil ela não ter sido corrompida de forma definitiva (não a figura casta deixando-se prostituir (literalmente) a mando de seu cafetão e continuar “tão boazinha”). Mas, é ao final que o trem descarrila. O atirador ficar enterrado na praia (com milhares de banhistas) apenas com o rosto fora da areia, mas protegido por uma caixa (de cerveja) para poder respirar e ninguém a tira… só por Deus. Não dá. A fuga de Puss com todas aquelas adolescentes grávidas… A sub trama com o ex-encarregado de Robin… O encarregado atual da Robin com a amante baleada (justamente pelo atirador “enterrado” na praia) dizendo que ia contar a todos o caso é muita firula. Em resumo, para quem viu a primeira temporada (por duas vezes), esta segunda parece um requentado de sobras de almoço, com itens que não combinam, num jantarzinho insonso.