Curta Paranagua 2024

Temporada

Um filme que fica

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2018

Temporada

Assistir a um filme do típico mineiro André Novais Oliveira (de “Quintal”, “Ela Volta na Quinta”) é mergulhar em universo de tempo suspenso, acompanhado do material bruto do ser humano, que é “jogar conversa fora”. Seu mais recente trabalho, “Temporada”, integrante da mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro deste ano, é um respiro. Uma contemplação da própria vida. Uma extensão da espontaneidade pelos encontros bate-papos com “tempo do café”. Chega a ser uma obra de ficção-científica, altamente realista, pela impossibilidade de se perceber a real encenação do ato presente, tudo emoldurado por uma singeleza de libertar a própria existência.

“Temporada” constrói um equilíbrio entre a ficção distanciada e a realidade ilusória, até porque o que vemos não é documentário, ainda que isso desperte uma inconsciente percepção. É um filme de épocas, de estágios atuais, de aprendizagens, de aceitar novos recomeços. É uma metáfora fabular de linear uma trajetória: do nada ao tudo. Da sensação perdida à esperança do futuro. Que mesmo sem saber dirigir um carro e ou com o medo de escorpiões e altura, a coragem ganha forma e impulso a fim de indicar um norte, uma paisagem panorâmica, uma observação longínqua do alto sobre espaços e vidas próximas que se encontram na base. No chão. Fortalecidas em suas escolhas, silêncios e resiliências.

Sua narrativa quebra a própria condução ao criar desvios de respiros antes da confissão traumática. De usar o outro como o melhor terapeuta. De se abrigar na amizade da ajuda financeira, por exemplo. É um filme de construção do tempo. De se (des)impôr. De caminhar na necessidade. De ir indo e chegando. Tudo amalgamado com a presença do desprendido e despretensioso humor mineiro, inocentemente brincalhão e gaiato, que faz parte da ambientação e não interfere como elemento na criação.

“Temporada”, dedicado à mãe do diretor que faleceu recentemente (que inclui no roteiro um diálogo desabafo: “perder mãe deve ser bem pior” – “Será mesmo que chegou a hora dela?” – e uma homenagem com fotos), é também uma crítica social ao sucateamento e precarização da Saúde. É um estudo de caso não militante e sim nas bordas. Um retrato íntimo e pessoal sobre os agentes de saúde que visitam casas para combater a dengue, emprego este que André trabalhou na vida real por sete meses, e que agora transporta ao cinema as memórias, vivências, percepções, dificuldades e análises do comportamento social dessas pessoas visitadas (e de certo modo invadidas em sua intimidade – que gera um novo formato das relações humanas: a família dos “meninos da dengue”).

A trama também busca quebrar a própria estrutura quando insere na cena em que a personagem principal limpa a casa trechos-diálogos do filme “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diogenes, uma fábula à moda de Fassbinder, que são transpostas como novela na televisão. A escolha cria praticamente um novo estudo ao cinema do André, de referenciar gostos cinematográficos sem romper o ritmo cadenciado do tempo invisível por sua câmera mosca imperceptível e suas interpretações tão naturalizadas que, sim, mais parece um voyeurismo imagético do sentir o olhar.

“Temporada” traz um que ambiente de “Sinfonia da Necrópole”, de Juliana Rojas, principalmente pela trilha-sonora de clarinetes à capela (iniciado com uma Sonata de Bach e uma inferência a Brasileirinho). Para a transformação que a personagem está passando. “Música é sensorial e não racional”, diz a equipe. Traz um que construtivo de Yasujiro Ozu, e seu “Pai e Filha”. Sim, mas tudo é apenas uma vaga lembrança, visto que sua estrutura é completamente autoral. André Novais é nosso Woody Allen brasileiro porque percebemos de longe sua estética particular, criando um conto de fadas realista da vida moderna. É o surreal real da própria vida como ela é.

Nós adentramos na rotina cotidiana, no trabalho externo de visitar moradores, que pulula a simplicidade coloquial das pequenas coisas, dos mínimos detalhes, da terapia popular que resolve num piscar dos olhos todos os problemas sofridos. É mais ação e menos pensamento. Mais humildade e sinceridade nas conversas e menos alimentação da postergação da decisão. É “papum” “de boa” com a música sertaneja, “cafezinho pelando e queijinho da roça”.

Juliana (a atriz Grace Passô, de “Praça Paris”) está saindo de Itaúna, no interior de Minas Gerais, para morar em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Seu novo emprego, após passar em um concurso público, em que ela combate epidemia de dengue na região, cria situações pouco usuais e apresenta para ela pessoas novas, que começam a mudar sua vida. Se adaptando à nova rotina, ela enfrenta dificuldades no relacionamento com seu marido. O salário é baixo, mas ela se “acostuma”.

“Temporada” é sobre o recomeço. Sobre o acolhimento. Sobre se libertar dos traumas, perdas e abandonos. Sobre perder o medo de engatar a próxima marcha da vida. Juliana desconfiada, perspicaz e defensiva, troca os “pés atrás” pela inocência de adultos grandes que se comportam como se tivessem oito anos de idade. Tudo aqui tem jeitinho mineiro, pausando o tempo jogando “conversa fora” com suas expressões típicas (“puxa faca”) e seus risos soltos que incluem memes e picardias. É uma cidade em movimento Que não para. Com seus corpos orgânicos, com seus flertes em festas de aniversário. Com suas cenas de sexo fisicamente naturais. No universo de André todos os passantes têm a mesma importância de seus protagonistas, por construir a misè-en-scene das trinta e nove locações. O redor é integrado. Participativo. Influenciador no afago e na sensação representativa de pertencimento, confortável e reconfortante. “A vida é cheia de temporadas. A vida ali tem um tempo diferente mesmo”, diz Grace Passô na coletiva de imprensa.

5 Nota do Crítico 5 1

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