Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força
A Força de J. J. Abrams
Por Redação
Convidado Especial Rodrigo Fonseca
Atrás só de Avatar (2009) e Titanic (1997) no rol de longas-metragens de maior renda nas bilheterias em escopo global, “Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força” soma cifras estimadas em US$ 2 bilhões só com venda de ingressos. Seu faturamento vai ser quintuplicado se somarmos cada bonequinho, lancheira, chiclete, copinho em formato Stormtrooper e HQs com heróis ou vilões franqueados da imaginação de George Lucas. Com ele, desde a aparição dos sabres de luz dos cavaleiros da Ordem Jedi, os números sempre foram parrudos. Reza a aritmética que as duas primeiras trilogias de Star Wars, somadas, renderam à Fox cerca de US$ 4 bilhões, elevando as ações do estúdio a cada ano em que seus episódios foram lançados. Entre 1977 e 1983, as aventuras com Han Solo, Skywalker e Leia versus Darth Vader movimentaram US$ 1,8 bilhão. Já entre 1999 e 2005, aurora deste milênio, foram arrecadados US$ 2,4 bilhões nas salas exibidoras da saga que apresentava a conversão de Anakin no mais poderoso Lorde Sith da galáxia. Mas a era agora é outra: saiu 20th Fox, entrou Disney e, com ela, J. J. Abrams assumiu as rédeas criativas, concebendo um espetáculo estético da mais alta grandeza. Com J.J. na ativa, uma mitologia iniciada nos tempos do cinema novo norte-americano se recicla, ganha uma mão de verniz e abre suas veias para inquietações contemporâneas de inclusão sexual, racial e étnica.
Ontem e hoje – ou passado e presente – são uma matéria-prima só no espetáculo narrativo que eleva o realizador nova-iorquino de 49 anos ao status de mestre, arrancando de seus atores o melhor a título de carisma e boa interpretação e elevando à fervura máxima a montagem de Maryann Brandon e Mary Jo Markey. Por isso, autoralidade é a palavra bússola para se entender “Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força”. O filme exala o cheiro das buscas pop empreendidas por ele, numa celebração do multiculturalismo. Se nos anos 1970, um caubói gourmetizado como Han Solo soava transgressor, nos anos 2010, quando se berra aos quatro ventos as denúncias contra as desigualdades sexuais, Abrams dá a uma mulher – e que atriz é a inglesa Daisy Ridley! – protagonismo no domínio dos sabres de luz, na pele de Rey. E seu lado, o diretor escalou um negro, um britânico afrodescendente de versatilidade cênica vívida: John Boyega, para encarnar o soldado StormTrooper desertor Finn. Se não bastasse, o terceiro vigilante estelar é um guatemalteco (ou seja, um cucaracha no vocábulo do preconceito da velha Roliúdi): Oscar Isaacs, sob a farda do piloto Dameron Poe. Mais diversidade do que essa, impossível.
Mas a cruzada autoral de J. J. tem medula política e esta só pode ser compreendida numa genealogia de Darth Vader a partir da década de contracultura na qual ele surge.
Loucos foram os anos 1970, época do nascedouro de Star Wars como franquia e da consolidação do prestígio de GL como artesão da imagem. Mas a loucura daquela década reverberou não só no Espaço, onde vive Darth Vader, mas também no Tempo. É comum entre os cineastas americanos que estabeleceram reputação autoral entre 1967 e 1980 – os anos do cinemanovismo nos EUA – haver uma rejeição ao conteúdo jornalístico do livro Easy Riders & Raging Bulls – How the sex, drugs and rock & roll generation changed Hollywood, de Peter Biskind, considerado uma espécie de Bíblia daquele período. O repúdio se deve ao fato de Biskind ter retratado os cineastas que fizeram a renovação narrativa da produção cinematográfica dos Estados Unidos como adictos de cocaína e narcóticos afins, cuja relação com as drogas escancarava as portas para a percepção de um reformismo político e comportamental urgente para aquela nação. Scorsese, Coppola, Paul Schrader, Jack Nicholson – todos estes eram vorazes adeptos do LSD e passatempos químicos afins. Com alguns ele pegou leve, tipo Hal Ashby, realizador do seminal Ensina-me a viver (1971), pois este, mais velho que seus contemporâneos, era mais chegado num fuminho (maconha) do que em cafungar o pó importando das papoulas asiáticas. Já com George Walton Lucas Jr. o tratamento dado por Biskind foi ainda mais doce: dele só se destacava em alto relevo seu comportamento obsessivo na busca por uma nova representação do conceito de heroísmo e na cruzada por novas formas de expressão tecnológica. Talvez por isso, em seu jeito resmungão, de poucas palavras fora as necessárias a entrevistas indispensáveis, Lucas nunca tenha destilado fel contra uma literatura de algibeira.
Em seus 50 anos de cinema, Lucas dirigiu apenas 18 títulos, a partir de Look at Life (1965), dos quais 11 são curtas. Sua contribuição (aparente) é mais a de um homem de negócios, criador de um parque de diversões de infinitas possibilidades dramatúrgicas chamado Star Wars e a de um desenvolvedor de um parque geek de parafernálias a serviço da geração de efeitos visuais. Até vender o passe de Luke Skywalker e toda a família Jedi à Disney, ele era um artista gestor, responsável pela administração de um império tão grande quanto aquele do qual Lorde Vader era um burgo-mestre. Mas há mais dos que um engravatado por trás do nerd de óculos que, há quase 40 anos, fez da independência uma flâmula ao fazer, nos seus próprios moldes, uma trilogia em ode a cânones do sci-fi dos seriados cinematográficos da década de 1930 (Flash Gordon) e das HQs (Buck Rogers). Há dentro dele um devir poético que ardeu em fervura máxima na hora de unir a Philip Kaufman na confecção do argumento de Os Caçadores da Arca Perdida (1981) concebendo um herói de parâmetro inimitável: Indiana Jones.
O argumentista audaz que ele um dia foi se reflete também em Caravana da Coragem (1984) e Willow – Na Terra da Magia (1988). Foram filmes de peso à sua época, com peso na renovação da fantasia como gênero. O mesmo se deve a seu trabalho como produtor consultor na adaptação das HQs da Marvel de Howard, The Duck, com o super-herói ovíparo ás do Quack-Fu.
Devoto à máquina empresarial de derivados em forma de brinquedos, BDs, roupas e quinquilharias afins de seus Cavaleiros da Força, Lucas deixou sua porção cineasta se perder em soluções óbvias de fabulação com moral, como se viu na trilogia I, II e III de sua Guerra nas Estrelas, lançada de 1999 a 2005. Porém, quem olha em retrospecto e vê THX 1138 (1971), enxerga ali uma estética em completa afinação com o projeto cinemanovista made in USA, usando a ficção científica como metáfora para pensar a solidão existencial de um povo. Ali foi sua apoteose como cineasta, estendida a mais um delicioso trabalho de direção: American Graffiti (1973), no qual ele fez rir ao fazer uma crônica dos hormônios à flor da pele de adolescentes que sentiram o que ele sentiu quando mais novo. A Força soterrou aquele grande diretor que Lucas um dia foi, mas suas contribuições industriais são tantas que é impossível ele se render ao Lado Negro da mediocridade. “Star Wars – Episódio VII: O Despertar da Força”.