Estrada, amizade e tédio.
Por Vitor Velloso
Que o mercado cinematográfico está repleto de projetos que buscam a moral final como objetivo do filme, já sabemos. Inclusive Hollywood ganha milhões e milhões todo ano com longas que irão arrancar uma lágrima ou aquela conexão direta com seu público através de gatilhos preguiçosos e preconcebidos. Contudo, o cinema nacional possui uma quantidade menor de obras com estas características, tanto pela quantidade de produção em geral, como por características culturais.
“Sobre Rodas” é dirigido por Mauro D’Addio e possui como norte de sua narrativa essas burocracias dramáticas que instigam o espectador a sentir empatia por seus personagens. A questão é a mesma de sempre, há uma construção breve e unilateral dos protagonistas, em seguida acompanhamos sua jornada através de uma autodescoberta que irá resultar em seu retorno, porém, mudado. Aqui, temos a história de Lucas (Cauã Martins) que sofre um acidente e fica paraplégico, ao retornar à escola inicia uma amizade com Laís (Lara Boldorini), que está à procura de seu pai, que nunca conheceu. Os dois irão embarcar numa viagem atrás do pai de Laís.
As intenções são boas, discutir a questão da paternidade ausente na vida de uma adolescente, de como a mãe reage a estas dúvidas da filha, a acessibilidade de deficientes na sociedade e como as pessoas reagem ao terem seus sonhos velados por uma limitação física que não possuía anteriormente. Porém, tudo é inserido numa narrativa bastante genérica e com características estéticas claramente advindas de projetos infantis televisivos. Uma misancene que nunca cativa, sempre está preocupada única e simplesmente com a questão dramática, mas que não é suportada por um roteiro multidimensional. Não apenas a história os personagens são unilaterais, como a construção e a cadência criada por Mauro não ultrapassam o primeiro plano. Diálogos hiper expositivos, piadinhas fora de contexto e que não casam com a montagem ou o ritmo das falas. Toda essa herança televisiva e que deposita toda sua possibilidade em carisma dos protagonistas, falha gradualmente já que o texto não permite os atores, Cauã e Lara, de realizarem bons trabalhos.
Amparado por uma fotografia que decide lavar todas suas imagens, buscando uma inocência em todas as cenas, vemos o derradeiro descaso em uma cena de noite onde “D.P.A – Detetives do Prédio Azul” parece encarnar o projeto, que decide quebrar com o único elemento cênico que permite o desconforto daqueles personagens, com a revelação do mesmo de maneira tão direta que soa paródico. E quando vemos algum lirismo surgir na projeção e ficamos brevemente aliviados de sairmos desta narrativa que não compreende nem o olhar dos próprios personagens, já imaginamos tratar-se de um sonho. A previsibilidade dos acontecimentos, fica por conta da fórmula batida, desta cartilha mercadológica canhestra que rege as finanças desses projetos com “lições de vida” brevemente moralistas.
O elenco de apoio aparece mais para transformar em longa de fato, que um média. A mãe e avó de Laís surge ocasionalmente para dar algum contorno a personalidade do pai, mas se limitam a isto. Aliás, há uma trama paralela de um caminheiro local, amigo da família que surge de vez em quando dando em cima da vó, que corresponde, mas que não possui a menor relevância na narrativa, pelo contrário, quebra todo o ritmo e é passível de gerar bocejos isolados. Os pais de Lucas, aparecem ainda menos, sendo responsáveis apenas por viabilizar parte da jornada do filho, de forma indireta. E um personagem que surge ocasionalmente vendendo e sempre barganhando é mais uma figura completamente irrelevante que está ali cumprindo tempo de tela. Sabemos que em road movie é comum personagens irem e virem sem sua função narrativa clara, mas todos eles impactam de alguma maneira nos protagonistas, seja no modo de pensar ou agir. Aqui não. Apenas garante que seja um longa mesmo.
Após toda a projeção, o que podemos dizer é que as boas intenções ficam no meio do roteiro e dão lugar à cobiça por salas de cinema lotadas. Mas para conseguir isso ao menos um esforço dramático, narrativo e estético deveria ter sido implementado. Não decepciona, pois não promete. Qualquer expectativa aqui, vai te passar a perna. “Sobre Rodas” não se permite sonhar, sofrer, chorar, sorrir, nada, às vezes é necessário largar um pouco as rédeas formulaicas medíocres e abraçar alguma coisa.