Rita Cadillac – A Lady do Povo

Ficha Técnica

Diretor: Toni Venturi
Roteiro: Daniel Chaia
Elenco: Depoimentos de: Rita Cadillac, Rogéria, Drauzio Varella, Hector Babenco, Djalma Limonge Batista, Leleco Barbosa, Carlos César, Luís Andrade, Lourdinha, Marinho.
Fotografia: Jay Yamashita
Música:Ruben Feffer e Gustavo Kurlat
Edição:Rodrigo Menecucci
Produção: Sérgio Kieling
Distribuidora: Espaço Filmes
Estúdio: Olhar Imaginário
Duração: 75 minutos
País: Brasil
Ano: 2007
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM


A opinião

A câmera não convencional fornece o tom da atmosfera do novo filme do diretor Toni Venturi. Em detalhes de forma amadora, quer remeter a um estilo documental de observação do dia-a-dia. O objetivo é desmistificar a personagem Rita Cadillac, expondo a normalidade e o comum de Rita de Cássia, seu verdadeiro nome. Retrata imagens e ações simples. Ela cozinha feijão, arroz, couve e carne assada. A família faz a refeição, sentado à mesa. “Eu não consigo ser Rita Cadillac 24 horas por dia”, diz.

O diretor acompanha o dia-a-dia de Rita Cadillac, ex-chacrete que virou cantora, dançarina e até atriz pornô. Por meio de depoimentos informais dela e dos demais que convivem ou já fizeram parte de sua história, o documentário traça uma biografia da “Rainha do Bumbum”.

Intercala para contar a história, pela própria Rita, de sua vida. Bairro de Santana, em São Paulo, onde mora atualmente. Há a escolha da metalinguagem, da interatividade com o espectador, o incluindo na própria produção e feitura do filme. A abertura é necessária e muito interessante. Rita é conduzida por um chofer em um cadillac, como uma diva, uma lady do povo.

As cenas de preparação são mostradas sem pudores ou dedos. A pintura, fazendo a unha, cantando “Quero que tudo vá pro inferno”, de Roberto Carlos. Toda a transformação para Rita Cadillac é gerada por um show dela. “A marca dela é a bunda. Ela tem esse nome (Cadillac) por causa da bunda do carro cadillac”, diz o filho do Chacrinha.

“Ela foi a chacrete que mais marcou. Era a gostosa. Ficou mais de dez anos (1974-1983) dançando”, diz-se. O depoimento de Lia Hollywood, outra chacrete, expressava o sentimento da época. “Era uma época de glamour, de luxo. Nós éramos ousadas. Chacrinha debochava da censura, por ser contra”, conta a lady.

As historias começam a ser contadas. O passado versus o presente. A infância no Colégio Assunção, de freiras, em Santa Tereza, no Rio de Janeiro. “Rezar o tempo inteiro era terrível”. O nascimento em 13 de junho de 1954. Que ela não conheceu o pai. Nunca viu a mãe. A adolescência passou morando, com a avó, na Rua Evaristo da Veiga 49, no Edifício Lucy, em frente ao batalhão “Eu aprontei muito”, confessa-se. “Minha avó participou da ditadura, escondendo gente”, diz sobre a pessoa que a criou. Tudo é contado com um sofrimento resignado, ajudado pelos olhos tristes e solitários, pedindo ajuda, com um cigarro na mão. “Os mesmos olhos do pai”, dizia. As fotos de arquivo enriquecem a trama. É como se mostrasse o lado polêmico e a humaniza por palavras e ações seguintes.

A ingenuidade latente e direta cria a pureza dentro da dicotomia que era a sua vida. A fama fez-se, mas o estado mais puro vinha à tona. “To virando gente”, diz sobre a realização do documentário, junto com Carlos Alberto de Nóbrega, da “Praça é nossa”, do SBT. Ela protagonizou vários momentos no programa. Intercala para a cena que Rita compra pão, sem maquiagem e com uma roupa de ficar em casa.

Participou do filme “Asa Branca – Um sonho brasileiro”, de 1980. O diretor, Djalma, fornece informações raras em seu discurso. “Aos poucos fomos sensibilizando ela. Tornou-se um sex symbol de forma natural. Ela era muito perspicaz com o Edson Cellulari, estreando como ator. “Depois de tanta teoria, que tal um pouco de pratica”, dizia a personagem de Rita. “Ela é uma lady do povo. Sobreviveu a aids, à globalização. Um mito brasileiro”, dizia-se.

“A gente pegava tranqueira na TV Rio, mas ela era diferente. Tinha um corpo perfeito” , relembrava Mario de Castro, o primeiro namorado apaixonado. A trajetória do filme envolve uma fase não muito boa de sua vida. O primeiro marido, 1971, César Brum, “um mau elemento”, destroçou a vida de Rita. “Eu casei com ele por pirraça, porque não podia ter o Mario”, confessa. A traição do marido, que a engravidou com um porre de bebida. O câncer da avó. A herança roubada. O filho “apreendido”. A depressão. A autodestruição. A vida na prostituição. Desgraça despertando desgraças. Porém o sol brilhou. Haroldo Costa, produtor musical, a salvou e fez com que a sua carreira fosse iniciada.

“Ela tinha uma bunda perfeita. Sabe bunda de rapaz que não cai, pois é”, diz Rogéria, amiga e “professora” de maquiagem e dança. E complementa “Mulher é toque. Cabeça e sentimento”. Rita dialoga com a historia. “Ela me ensinou a ser uma copia feminina dela e me empurrou para os braços de Pelé”.

O filme perpassa por momentos da vida da protagonista. Luis Andrade, o primeiro empresário. O programa Gabi Gabriela, em 1985, cantando “É bom para o moral”. Lourdinha, a empresaria. “O Brasil gosta de ver bunda, é sensual”, diz-se. O Clube do Bolinha em 1994. Os filmes adultos da ‘Brasileirinhas’ com “A primeira vez de Rita Cadillac”, com sexo explicito. “Não foi vaidade, foi exclusivamente dinheiro que eu estava precisando naquele momento”, mas ela não gostou. “A sensação foi baixa, ruim quando fiz a cena de sexo, como se estivessem enfiando uma faca em mim”. A turnê do garimpo com um show de 300 mil homens. “Jogaram pepitas em mim”. A irmã no Espírito Santo. O sobrinho Clodisney. O show na Casa de Detenção Carandiru, em 1986. Madrinha de formatura dos presos. “Havia tesão e respeito”, diz Drauzio Varella. “Não era remunerada. Só carinho”.

A vida de Rita Cadillac apresenta-se brega e trash. Mas aos poucos, o filme a humaniza, principalmente quando retira dela a sinceridade e a verdade. “Quero um sonho de família”, diz sobre o amor e o novo casamento com Luiz Nóbrega. Ela é passional ao extremo. O exemplo disso é que ela prepara o casamento sem o noivo saber em 1o de abril de 2007. “Você me paga”, ele diz em tom de brincadeira.

Hector Babenco, diretor de Carandiru, diz “Metade automóvel, metade humana. Muito despudorada, brasileira e ingênua no sentido primário, básico. Na outra encarnação, quero vir Rita Cadillac”.

“To próxima a parar de fazer shows, com a mão na fechadura. Eu sei que a minha bunda é a que pensa. Meu cérebro é aqui (na bunda). Rita Cadillac vive do corpo”, finaliza. A etapa seguinte é a vida política. “Quero ser enterrada de bruços…”. Vale a pena assistir. É divertido, despretensioso, sincero e humano. Recomendo.


O Diretor

Toni Venturi é um cineasta paulista, nascido em 21 de novembro de 1955. Morou no Canadá de 1976 até 1984, onde se graduou Bacharel em Artes Fotográficas – Cinema, pela University Of Ryerson, em 1984. Também formou-se em Comunicação Social – Cinema pela Universidade São Paulo, em 1987. No Brasil, fez o curso secundário no Ginásio Estadual Vocacional Oswaldo Aranha, em São Paulo, que compunha uma rede de escolas experimentais mantida pela pedagoga Maria Nilde Mascelani e extinta pela ditadura militar. Depois da passagem pelo Canadá, viveu no Rio de Janeiro até 1989 e desde 1990 reside em São Paulo. Toni Venturi é casado com a Atriz Débora Duboc com quem tem um filho.

Seu trabalho inclui os seguintes títulos, muitos deles premiados

Diretor e Produtor do longa metragem de ficção Cabra-cega. Prêmios de produção: “Filmes de Baixo Orçamento do MINC”, “Finalização da ANCINE” e “Finalização Prefeitura de São Paulo”, lançado em 2005.

Diretor e Produtor do documentário para TV No Olho Do Furacão. Prêmios de produção: “Itaú Rumos” e “Documentários Inéditos do MINC”. Em 2003, recebeu o Prêmio Especial do Júri na 30ª Jornada da Bahia.

Diretor e Produtor do longa metragem de ficção Latitude Zero. Em 2001, o filme participou da 51ª Festival de Berlim, Seção Panorama. Ganhou 15 prêmios em festivais nacionais e internacionais nas categorias de melhor direção, ator, atriz e arte. Foi lançado comercialmente em março de 2002 e está disponível em DVD e VHS.

Diretor e Produtor de O Velho, A História De Luís Carlos Prestes. Documentário longa metragem e série de 04 episódios para TV. Ganhou 3 prêmios de melhor filme em festivais de cinema nacionais e foi premiado em Cuba.

Diretor da série “Teletubbies” da Rede Globo, em 1988.

Diretor do programa “Conexão Roberto D’avila”, de entrevistas, em 1996.

Diretor da série de documentários institucionais “Gente Que Faz”, patrocinado pelo Banco Bamerindus (1995 – 97).

Diretor e Produtor dos seguintes curtas metragens: Ficção futurista com Jonas Bloch passada nos últimos dias do milênio; Guerras, Documentário sobre a vida do poeta luso-brasileiro Antonio José, que morreu queimado nas fogueiras da Inquisição no século XVIII; e Under The Table sobre o drama dos imigrantes ilegais latino-americanos que vivem em Toronto, Canadá.

Atualmente é dono da produtora audiovisual Olhar Imaginário.

4 Nota do Crítico 5 1

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