O humor em constante evolução
Por Pedro Guedes
Durante o Festival do Rio 2018
A experiência de assistir ao documentário “Tá Rindo de Quê? Humor e Ditadura” e cair na sessão de “Rindo à Toa: Humor Sem Limites” logo em seguida é bem curiosa: novamente dirigido por Alê Braga, Álvaro Campos e Cláudio Manoel, este segundo documentário serve como uma continuação direta do antecessor, já que passa a enfocar o trabalho dos comediantes brasileiros a partir dos anos 1980, quando o regime militar chegou ao fim e os artistas enfim puderam trabalhar sem que fossem pressionados pela censura. Assim, “Rindo à Toa” complementa “Tá Rindo de Quê?” de maneira imediata e, com isso, resulta em um registro eficaz que encobre mais de 30 anos de História do humor nacional em cerca de três horas.
Trazendo de volta alguns nomes que já haviam aparecido em “Tá Rindo de Quê?” (como Boni, Daniel Filho, Patrycia Travassos e Evandro Mesquita), o longa dá ênfase aos artistas e aos grupos que se dedicaram à comédia no período da reabertura política – e ao longo dos 102 minutos de projeção, o filme coleta depoimentos de figuras como Regina Casé, Miguel Falabella, Marisa Orth, Marcelo Tas, Nizo Neto, Fernanda Young e, claro, a trupe do Casseta e Planeta. Mas não é apenas o humor da TV que é destacado aqui: Angeli e Laerte surgem em cena relembrando os quadrinhos que publicaram na revista “Chiclete com Banana”, ao passo que Roger Moreira fala sobre a carreira que construiu como vocalista do Ultraje a Rigor.
Comprovando que o humor pode (e deve) ser usado como arma política, “Rindo à Toa” se sai particularmente bem ao contrapor o cenário de democratização que veio em meados dos anos 1980 à repressão que era cometida contra a classe artística na época da ditadura militar – e se antes os comediantes precisavam se submeter à censura, agora eles são liberados para ridicularizar qualquer ideologia e/ou forma de governo. Desta maneira, o filme destaca a importância de Jô Soares e Chico Anysio nesta luta, já que ambos perceberam que seus trabalhos poderiam ser empregados como ferramenta crítica. Além disso, há também a significativa presença de Marcelo Tas, que criou o repórter Ernesto Varela justamente para debochar da política brasileira em plena década de 1980.
Igualmente interessante é constatar como o contexto daquela época levou o humor nacional a se reinventar, já que os artistas se viram livres para experimentar formatos, técnicas e ideias novas sem que fossem perseguidos por serem “subversivos”. O projeto da “TV Pirata”, por exemplo, quase foi rejeitado pelos executivos da Rede Globo, que o enxergavam como uma aposta extremamente arriscada – afinal, o senso de humor do programa era bem mais anárquico do que a emissora estava acostumada a apresentar e alguns recursos aparentemente indispensáveis foram deixados de lado (como a claque; aquelas risadas que têm na maioria dos sitcoms). E embora a presença do Casseta e Planeta soe meio autocongratulatória, já que o filme foi dirigido por um dos integrantes do grupo (Cláudio Manoel, também conhecido como “Seu Creysson”), isto não diminui a força de seus melhores momentos – e ver Bussunda na telona é algo que inevitavelmente leva o espectador a sentir falta do comediante, morto precocemente em 2006.
Para completar, a presença de Angeli e Laerte em cena é outro elemento que enriquece “Rindo à Toa”, já que ambos são quadrinistas talentosíssimos que merecem aplausos por jamais terem deixado seus ideais afastados da Arte que produziam; o que sempre é uma atitude corajosa. Em contrapartida, quando o filme resolve falar sobre Evandro Mesquita e a banda Ultraje a Rigor, os resultados tornam-se mais irregulares, pois o debate a respeito do cenário musical da época se alonga além do necessário e, com isso, gera a impressão de estar perdendo tempo com informações que não acrescentam tanto ao tema central do documentário. Não que o assunto não tenha a ver com o humor que era feito naquele tempo (é claro que tem), mas quando Mesquita começa a contar a história de seu disco que foi censurado, o espectador sente que o filme está tocando em um assunto que já foi discutido o suficiente em “Tá Rindo de Quê?” e, por isso, não precisava retornar aqui.
Aliás, é frustrante ver Roger Moreira dizer algumas coisas que certamente poderiam ser ignoradas, já que frequentemente se revelam como parte de um discurso tolo e retrógrado – um exemplo disso encontra-se no terço final do longa, quando o cantor surge reclamando do “mimimi” que existe hoje em dia e afirmando que “não se sente ofendido quando alguém o chama de branco”. Por outro lado, o filme acerta ao trazer Miguel Falabella e Marisa Orth reconhecendo que o humor está sujeito a mudar constantemente, pois acompanha a mudança de uma sociedade que, aos poucos, evolui sua forma de pensar.
Encontrando espaço para uma breve participação de Felipe Torres e Adriano Silva que causará pelo menos um sorrisinho de canto de boca nos fãs do Hermes e Renato (embora seja uma pena que o filme aborde superficialmente a história do grupo e ignore algumas de suas melhores criações), “Rindo à Toa” é um documentário que, mesmo inferior a “Tá Rindo de Quê?”, leva o espectador a experimentar uma agradável sensação de nostalgia ao relembrar várias personalidades divertidas.
Agora, resta torcer para que Alê Braga, Álvaro Campos e Cláudio Manoel não deixem que a história termine por aqui e produzam logo um terceiro capítulo abordando as figuras mais recentes do humor nacional, como Fábio Porchat, Marcelo Adnet e, claro, o pessoal do Choque de Cultura.