A Qualquer Custo
A distopia anárquica de uma terra de ninguém
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2016
Se analisarmos a filmografia do diretor britânico David Mackenzie (de “Jogando Com o Prazer” – um que de Brian de Palma; “Encarcerado” – um que de Martin Scorsese; “O Jovem Adam”; “Paixão sem limites”), podemos então dizer que seus filmes buscam muito mais a facilidade da estrutura hollywoodiana por sempre caminharem na linha tênue do cult versus comercial e por se comportarem como produtos mais degustáveis mascarados de gênero independente. Seu mais recente longa-metragem, “A Qualquer Custo”, que está concorrendo a quatro categorias (incluindo Melhor Filme) do Oscar 2017, e que foi um dos integrantes da mostra competitiva Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, emerge-se no universo “sem lei” do Texas para contar a história de dois irmãos que se vingam do “inferno” do sistema bancário.
Para entendermos como funciona o sistema hipotecário americano, pedimos licença para uma rápida explicação. A garantia da dívida é o próprio imóvel envolvido no negócio. Além das parcelas pré-acordadas, geralmente, também é necessário pagar um valor de entrada. O credor detém o título da propriedade até que a dívida seja completamente quitada. Porém, caso não seja possível honrar os pagamentos da casa, o credor detém os direitos para vender o imóvel, com o objetivo de conseguir o dinheiro do empréstimo de volta, com juros, geralmente, de 3,5 a 4,5%.
Dito isto, voltamos. “A Qualquer Custo”, potencializado com seus ruídos e personificações sonoras de tiros e derrapadas de pneus dos carros em fuga, pode ser encarado como um faroeste moderno ambientado em um mundo pobre pós-apocalíptico, principalmente em sua cena final à moda retrograda da época indígena. A narrativa ágil e diretiva aprisiona o público à história por suas perseguições policiais e pela condução da trama, que por exemplo, na cena do restaurante, é impossível não lembrarmos de “Pulp Fiction – Tempo de Violência”, de Quentin Tarantino.
Aqui, temos uma revisitação de um cenário (à moda de “Sicário – Terra de Ninguém”, de Denis Villeneuve) construído por diálogos intrinsecamente verdadeiros e não politicamente corretos, que beiram preconceitos, misoginia e uma explícita xenofobia aos índios, este último um prenúncio das ideias anti-imigratórias do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Sim, o delegado que, por picardia-zoação, alfineta seu parceiro de trabalho não “visualmente americano”, que foge do padrão da “superioridade branco”, aceita calado, submisso a uma pseudo-solidariedade e entendimentos dos maldosos comentários de um enraizado machista inveterado. É terra de “macho”, quase um universo do seriado “Westworld”, lugar onde estes seres podem reavivar estágios de violência sem a punição legal, embalado pela trilha sonora do músico australiano Nick Cave, que reitera aqui a crítica que sempre fez com os temas da religião, morte, amor, América e violência).
“A Qualquer Custo” pode ser traduzido como uma invertida fábula-conto contemporânea por desvirtuar a lição moralista de que os “fins justificam os meios”, lícitos ou não. Eles, nossos protagonistas “selvagens” salvam-se da extrema opressão dos “monstros” capitalistas pelas ações “farinha pouca, meu pirão primeiro” de uma distopia anárquica e intensificada a individualidades de uma particular vida privada. Um filme bem realizado, bem dirigido, bem atuado, mas que se equilibra na zona de conforto razoável, permitida e aceitada, tanto pela explanação de suas críticas, tanto pela estrutura contada. O filme é dedicado aos pais do diretor que faleceram enquanto ele realizava as filmagens.