Perder-se em Paris nunca foi tão delicioso
Por Marcus Teixeira
Transpor uma visão, original, para o cinema, não é um trabalho dos mais fáceis. Criar uma identidade cênica e fazer dela uma assinatura é como tentar achar agulha no palheiro. Um trabalho de estudo, que não acontece do dia para a noite. Ao contrário é um trabalho de construção diária.
Diretores mais conhecidos, como Woody Allen, Quentin Tarantino, Pedro Almodóvar, entre outros, são exemplos de diretores que conseguem imprimir uma assinatura forte, a ponto do espectador ao se deparar com a obra, conseguir identificar naquele filme a personalidade do seu diretor.
Em “Perdidos em Paris”, Fiona Gordon e Dominique Abel, conseguem em pouco mais oitenta minutos, fazer com que o espectador, transpasse a tela do cinema e viaje por cada curva da assinatura dos diretores. Sem questionar, o espectador, embarca na história e entregam-se a cada cena, ainda que verossímil.
A formação teatral do casal, permite que eles dialoguem com várias inspirações. É possível identificar inspirações de atores do cinema mudo como, por exemplo, Chaplin e Buster Keaton. Palhaços que traziam frescor e um humor descompromissado com a obrigatoriedade do riso e do fácil entendimento. Assim é “Perdidos em Paris”.
O filme conta a saga de Fiona (Fiona Gordon), uma bibliotecária canadense que vive em um vilarejo isolado, em meio a neve e muito vento. Após receber uma carta da tia, nonagenária, Martha (Emmanuelle Riva), decide cruzar o oceano para encontrá-la em Paris. Mas ao chegar na Cidade Luz, Fiona, não consegue encontrar sua tia e por uma obra do destino acaba conhecendo Dom (Dominque Abel) um vagabundo.
É comum no teatro atores que escrevem, dirigem e atuam em seus próprios espetáculos. Isso possibilita ao ator-escritor-diretor se permitir dialogar com aquilo que mais admira e acredita. A grandiosidade de “Perdidos em Paris” está em permitir que os atores, em especial Fiona e Dominique dialoguem com suas referências. A partir daí o que vemos é uma verdadeira aula de interpretação e de personalidade na direção.
É de grande risco errar quando a linguagem teatral é transportada para o cinema. A possibilidade do piegas, do clichê acabam sendo grandes. Cenas com expressões gratuitas e sem muito sentido podem trazer a ruina para um filme, Porém em “Perdidos em Paris” nada é gratuito. Todas as cenas ainda que com uma linguagem teatral, bastante acentuada, estão ali com um propósito e por isso acabam sendo indispensáveis na construção da história.
“Perdidos em Paris” tem vários pontos que valem muito a pena correr para o cinema e assistir. Há uma deliciosa cena coreografada de uma nevasca ao simplesmente abrir a porta. Temos também o carisma dos personagens, desde a inocência de Fiona, passando pelo ar vagabundo de Dom.
Outro grande motivo para assistir ao filme é última atuação da grandiosa atriz Emmanuelle Riva (tia Martha), que veio a falecer em janeiro deste ano. Conhecida por seu trabalho em filmes como, “Hiroshima meu amor” (1959) e Amor (2012). Sem dúvidas, Emmanuelle, não poderia ter escolhido melhor filme para se despedir dos seus fãs. É dela umas das cenas mais emocionantes do filme. Ao lado do, também veterano Pierre Richard, eles protagonizam uma verdadeira mostra do bom cinema. Com apenas os pés, em uma cena musical, os atores conseguem arrancar a risada dos espectadores. Uma verdadeira prova que para rir, não é preciso humor negro, ou o escárnio. A delicadeza e a repetição, são capazes de arrancar os sorrisos mais sinceros de quem assiste.
O jogo cênico dos atores e a troca entre eles dão ao filme uma linguagem Clown. A expressão corporal, tão marcante no trabalho dos atores-diretores, ganham um ritmo burlesco em cena. A linguagem Clown é uma linguagem universal, grandes atores, além da referência Chaplin, já a utilizaram. O cinema mudo por anos bebeu dessa fonte para dar a todos o entendimento sobre as frases que não são ditas, mas são expressadas com o corpo. Por isso é certo dizer que o filme é uma, declarada, homenagem aos atores do cinema mudo.
Com início, meio e fim, muito bem pontuados “Perdidos em Paris” é um filme fascinante. Sua duração é o tempo necessário para que a história não se torne clichê. A atuação dos seus atores a direção primorosa de Fiona Gordon e Dominique Abel são excelentes. A ideia de convergir várias referências cênicas prova que o cinema pode sempre reinventar-se.