Oh Lucy!

A bola prosopopeia de Lucy

Por Fabricio Duque


Exibido na Semana da Crítica do Festival de Cannes 2017, “Oh Lucy!” é um filme apólogo, que objetiva atingir os conceitos humanos para os modificar e reformular. É a história de uma mulher japonesa, adormecida na rotina diária, que encontra a salvação, a liberdade e o sair do transe compartilhado na experiência catártica e radical do ocidente.

Setsuko Kawashima (a atriz Shinobu Terajima, de “The Shell Colector”) é uma mulher solitária que trabalha em um monótono escritório em Tóquio. Quando vê que precisa sair de sua cômoda inércia, ela ganha um presente free trial e decide estudar inglês em uma “escola estranha com métodos não convencionais”, recebendo uma nova identidade, o alter ego “Lucy”.

O longa-metragem, dirigido por Atsuko Hirayanagi, conduz o espectador pelo conto, cuja narrativa caminho pela procura e pelo auto-redescobrimento. É o que os filosóficos chamam de regurgitofagia. De permitir mudanças, de sair da caixa (e da escuridão protegida de uma metáfora caverna de Platão). De libertar possibilidades, experiências, limites, desejos e situações antes impensáveis. É uma viagem existencialista de se perder, de zerar comportamentos impostos, de embarcar no desconhecimento (como mergulhar em uma piscina sem saber se há água e ou impulsivamente pernoitar em motéis americanos).

“Oh Lucy!” é uma reconstrução identitária da linguagem americana “preguiçosa e relaxada” (típica em padronizar as próprias regras e costumes e não aceitar as diferenças genuínas de outros povos) versus a apatia social alienante de indivíduos orientais, que de tão pressionados, buscam suicídios e ou uma excessiva solidariedade artificial (como presentes a uma funcionário que após quarenta e dois anos viverá “seu próximo capítulo de sua vida). Se uma quer a “parte mágica” e alegórica da máscara imagética, a outra luta para corroborar o mais introspectivo individualismo. Se uma quer a base e volar o “básico” e o “essencial”, a outra procura manter uma silenciosa, encenada, superficial, oportunista, hipócrita, defensiva e fofoqueira atmosfera blasé das relações humanas.

Vivencia-se dois lados. Dois mundos paralelos. De um, as didáticas estranhas americanas de afetos técnicos sem envolvimento (como uma bola de ping-pong na boca para a pronúncia perfeita), buscando a interpretação naturalista de um caricato e espontâneo fingimento (o high-five, por exemplo) em zonas english only. Do outro, as observações que estes momentos são apenas descansos da realidade, como um imersivo parque emocional “WestWorld” em escondidas carências e em acumulações materiais. Neste, a verdadeira emoção quando aparece é para explicitar de uma vez por todas as insinuações de uma reversa psicologia.

“Oh Lucy!” talvez seja uma alusão ao seriado “I Love Lucy” (pela prosopopeia da bola para Lucy Ball) ao abordar um vazio intrínseco protegido pelo não sentir. Setsuko nunca mais será Setsuko. Torna-se Lucy a cada vivência a “terra das oportunidades” e dos sonhos. Em Los Angeles, Hollywood. Bem mais real. Aqui, nós somos submersos em um universo etéreo, em cujos personagens, fora dos próprios corpos, re-encontam suspensões, gatilhos, artifícios, necessidades e liberdades plenas e mitigadas de amarras.

A obra é um típico exemplo cinematográfico que busca analisar o que há dentro de cada um pelo perverso acaso que cria reviravoltas a um pseudo querer já definido. Felicidades são “perdidas”, tirando o “doce da boca de crianças” grandes. É um sonho-fantasia que se transmuta em um pesadelo. Essa é a experiência “Matrix” de Lucy. Ultra-realismo, sofrimento e agressividade são consequências desta inicial aceitação, como um bebê que descobre como andar.

O road-movie continua. Com sua mimada irmã “Majestade controladora” em busca de um “molusco loser” e com as novidades dos americanos “barulhentos como animais”, “jerk”, xenófobos, limitados e intolerantes; a maconha; o hip-hop; o instintivo sexo casual; a música “A Thousand Miles”, de Vanessa Carlton (que foi trilha-sonora do filme “As Branquelas”); a tatuagem; de aprender a dirigir; a cerveja quente; de que “o amor não conquista tudo”, tudo serve para conseguir o “objeto” platônico amado.

“Oh Lucy!” ensina-nos que para recomeçar, precisamos perder tudo. Retirar o peso impositivo das costas. E que sempre há uma saída, um “facilitador” (termo este uma metáfora definida no seriado “DramaWorld”) e um abraço salvador contra a solução fatalista de finalizar a própria vida e permanecer na apatia do passar pela vida. E claro, com o equilíbrio musical de Susie Suh em “Here We Me (Two Worlds)”, ainda que se perca em desfechos palatáveis de uma urgente histeria e de um surto constante a cada segredo revelado, correndo contra o tempo a fim de se resolver e encerrar o ciclo.

3 Nota do Crítico 5 1

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