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O Último Lance

Uma arte figurativa

Por Fabricio Duque


Há filmes que focam sua existência mais na forma estética que propriamente no desenvolvimento naturalista de seu conteúdo. É para ser contemplado e aceitar com cumplicidade as burocracias criativas, em uma construção que não consegue transcender sua zona de conforto. “O Último Lance” não é um filme preguiçoso, mas ingênuo em seu objetivo. Busca-se humanizar e desmistificar o universo da arte, adentrando no tempo único da espera e em suas particularidades cotidianas e coloquiais.

O longa-metragem, dirigido pelo finlandês Klaus Härö (de “O Esgrimista”, ainda sem data de lançamento), é também uma análise de comportamento geracional. Aborda-se as diferenças do antes e do agora. De um passado “confiável” a um “perdido” futuro. É o eterno embate entre velhice e juventude. Incompatível. Dos dois lados, como por exemplo, a paciência versus urgência. Limitação informativa contra a perspicácia expandida dos jovens, que, com seus impulsos, conseguem aprofundar positivamente os resultados.

Exibido no Festival de Toronto 2018, “O Último Lance” é também o último respiro na vida de um idoso vendedor de quadros, um especialista em obras raras de arte. Que frequenta leilões para revender a colecionadores e que faz de tudo para conservar a inocência nostálgica em um confuso mundo moderno (e a barganha dos clientes, a “arte figurativa que é barata”, “as vendas online”), metaforicamente abordado pela câmera e seus cortes rápidos.

Olavi (o ator Heikki Nousiainen) é um negociante de arte obcecado com trabalho que vem sendo deixado para trás com a modernização da indústria, que favorece cada vez mais grandes conglomerados. Quando o que pode ser um obscuro ícone de um pintor russo acaba em suas mãos, ele recebe a ajuda surpreendente de seu neto para recuperar suas finanças, o reaproximando de sua filha. Porém, ele sacrificaria tudo por esse último grande negócio?

A importância do longa-metragem está na condução de sua narrativa quando aproxima o público ao ambiente da arte, com suas filas e esperas para entrar no leilão, muito diferente do blasé-hipster do seriado “Velvet Buzzsaw”, da Netflix. Olavi vive tempos difíceis, encontrando-se perdido e vulnerável com as aceleradas novidades. O último lance é a última coisa que pede. Mas o Universo sempre mexe seus acasos para ajudar, como um estagiário novo, da própria família, digamos de forma nem sempre cartesiana. Para ele, o novo é o Monolito de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick.

“O Último Lance” é sua última jogada para se manter vivo, para afastar a decadência que chega com força total e para conservar suas condicionadas e acostumadas vivências. Mudar a condição é a decisão mais complexa na vida de todo e qualquer ser humano. É um embate. O velho implicante com o conhecimento a ensinar e o aprendiz rebelde (que ainda enxerga pequeno as obras de arte) com a ginga da contemporaneidade (o jogo de cintura e o “excesso de açúcar no café”), este que aumenta o “preço sugerido versus preço determinado”. Para um, a vida é o futuro, para o outro, o passado. Enquanto um procura nos catálogos, o outro agiliza a busca no Google.

Klaus opta por simplificar o conto de sua história. Em tom novela, potencializado pela música sentimental cliché, o filme torna-se óbvio e frágil. Contudo, é nos pequenos detalhes e expressões que os altos prevalecem-se dos baixos. Como a cena principal em que nós espectadores sentimos a ansiedade do protagonista pela respiração ofegante e o arquivo cliente de grandes mestres.

Há uma sensação de pertencimento deste mundo. Uma erudição natural não forçada. Com seus humanizados “tesouros empilhados” que ninguém quer. Está enterrado em quinquilharias. Para seguir, precisa vender o passado e se libertar. Dar vida a sua vida. Ainda que seja um “mercenário egoísta”, permite novidades. Foto com o quadro, hambúrguer do Burger King. E à espera de fechar o negócio, apela a uma jogada desesperada. Repin será sua ruína? O Cristo invendável? Uma metáfora religiosa para a renovação?

Sua redenção chega. Tarde talvez. Sem valor na especificidade. Uma crítica ao hoje que cada vez comporta-se mais como entretenimento de massa contra o tempo perceptivo da descoberta passional de experimentar a sensação de uma obra rara. O mundo mudou. Não há mais espaço para nostalgias, resmungos e “espécies de ícone”.

3 Nota do Crítico 5 1

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