O Terceiro Assassinato
Preenchendo lacunas de velhos clichês
Por Vitor Velloso
Festival de Veneza 2017
“A Psiquiatria não é ciência, é pura ficção”. A fábula policial se inicia com um brutal assassinato, que irá servir de esqueleto narrativo para a trama. Conduzido através de uma câmera suave e paciente, o filme se mostra mais simples do que aparenta e mais complexo que seu gênero. O Drama Policial é um gênero saturado na Indústria com todos seus clichês, lugares comuns e frases de efeito. Curiosamente, “O Terceiro Assassinato”, de Hirokazu Kore-eda, busca preencher os espaços que a trama deixa com uma delicadeza nostálgica e doce, mas nunca inocente.
O filme conta a história do advogado Shigemori (Masaharu Fukuyama) que está defendendo o assassino Misumi (Koji Yakusho), este que possui uma versão diferente dos fatos toda vez que é interrogado. O filme cria uma atmosfera de tensão a partir de suas relações dramáticas ligadas a psique das personagens, movidas quase que de forma mística através de uma relação entre ficção, realidade e memória. O tom sempre desolado de fala humanística, é intensificado por quebras de eixo que tiram o espectador do lugar de conforto, gera uma discussão de conceitos filosóficos acerca da vida que, vezes flerta com o pessimismo, vezes com um otimismo de Epicuro que nos faz respirar com pianos flutuantes e “ lentas que são de um fluxo interminável.
Mas a tragédia tem seu lugar de origem e fim, e assim sendo, o ciclo sempre torna à melancolia das memórias que se foram.
Como uma enunciação do poder, a justiça é discutida em “O Terceiro Assassinato” a partir dos conceitos gramaticais e da ética que a isto implica, não por acaso, o personagem principal do filme é um advogado. Alguém que possui o poder sobre a vida das pessoas, mais ainda um Juiz, ambição de infância do protagonista. Esse poder, viola o arbítrio das Vontades? Ele está apenas a favor do Destino de uma maneira maniqueísta e cínica das forças Humanas? Essas indagações são feitas de maneira homeopática, buscando compreender a grandeza das perguntas, sem proferir as repostas, sempre temendo-as. Esse caráter de deidades a fatos psicológicos das pessoas, constroem uma densidade sufocante a investigação.
Pois o assassinato deixa de ser o real fator do processo. As frivolidades de certos atos que se tornam o combustível para tudo aquilo, exatamente aquilo que não compreendemos. Pois já sabemos sobre o crime, a questão é porque ele age de forma alheia a própria situação? O jogo de representações entre os personagens se intensifica na fotografia que busca horizontalizar as relações a fim de sempre que possível, confundi-las. Pois o roteiro busca verticalizar os situações dos personagens, quem possui o poder, o julgamento, a penitência…
Enquanto “O Terceiro Assassinato” busca essa discussão acerca do destino e do poder decisório, os enquadramentos reforçam a horizontalização sempre buscando enquadrar personagens da mesma cena para criar essa aproximação entre as forças da cena. Assim como sempre que possível faz super close para que possamos analisar os personagens e entender suas reais frustrações e sentimentos. O jogo do filme é essa busca pelos sentidos, que nunca atingem realmente os personagens e sim o público, essa tentativa de correlação entre humanidade e ética. A moral dessa relação de proximidade é absolutamente questionável e é por isso que incomoda, pois a identificação vem por parte dos absurdos narrativos e dos elos psicológicos de personagens assustadoramente fragilizados.
Uma relação não muito esquizofrênica com “Creepy” do diretor Kiyoshi Kurosawa, de 2016 é plausível pois ambos são dramas policiais que buscam entender as lacunas psicológicas de seus personagens e por essas lacunas relacioná-los. Da mesma forma ambos os filmes, traduzem os medos e vontades de suas personagens em longos planos de confrontação reflexiva, e que nesta montagem possamos buscar as nuances de suas caracterizações, reais ou virtuais. A imagem nestes filmes possuem uma ambiguidade própria do termo, ela cria metamorfoses para si tornando-se intransponível em diversos níveis e objeções. E todos sabemos que quando a virtualidade alcança a realidade, a verdade se perde numa dança tênue com a ficção e o absurdo, numa mediação semimetalinguística com a destruição estrutural do enredo.
Mas nem tudo no “O Terceiro Assassinato” é filosofia e meandros psicológicos, isso são digressões narrativas e estéticas que constroem o verdadeiro filme, pois o enredo como um corpo único é clichê e previsível. O ritmo é instável e será necessário do espectador paciência com micro-reviravoltas e cenas marcadas e óbvias.