Niède
História apagada
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2019
A história brasileira foi reescrita a partir das descobertas do sítio arqueológico no Piauí, organizado pela arqueóloga brasileira, Niède Guidon. A ignorância generalizada com a história do país é conhecida, inclusive com os políticos que o povo elege que recusam parte dos fatos do século XX pois possuem medo de admitir o sangue que possui nas mãos, porém, como admitir livros didáticos não colocarem massivamente o nome de Niède? É assombrosa a negligência que o Brasil mantém com as informações. Era para cada pessoa reconhecer a arqueóloga como uma das maiores figuras da educação de todos os tempos, mas o que já não acontecia, agora que não vai, pois o Estado quer censurar e vetar tudo aquilo que sirva de argumento à sua supremacia ideológica.
Dirigido por Tiago Tambelli, “Niède” irá acompanhar toda a jornada que Niède teve que fazer para conseguir estruturar um sítio arqueológico naquela região, as polêmicas locais que foram geradas e todas as incríveis descobertas que obtivemos a partir do estudo dela. Partindo deste ponto o didatismo na forma é algo compreensível, e louvável, pois a intenção é que mais pessoas saibam de cada processo que envolve firmar um projeto deste e como os estudos são realizados. A partir desta lógica veremos uma construção bastante sólida através de toda a carreira da cientista, inclusive seus problemas diretos com a ditadura militar. Sem recursos estilísticos, sem chamar atenção pra si, Tiago arquiteta um longa com qualidade ímpar, que dura duas horas e quinze minutos que perde ritmo raramente durante a projeção, tamanho fascínio que gera no espectador.
A montagem busca recorrer a ligações diretas da fala com imagens de arquivo e algumas filmagens realizadas pela equipe dela durante o período de exploração da área. Retratando a dificuldade de manter um projeto científico no Brasil, o filme irá mostrar os meios utilizados para que os estudos pudessem ocorrer com a precisão que era necessário. Além disso, irá explicitar todo o trabalho de longo prazo que Niède realizou para que fosse criada uma conscientização da importância daquilo à história nacional, trabalhando diretamente com crianças em projetos educacionais.
Toda essa proposta pedagógica se vê no resultado final da obra, sem que seja subestimada a inteligência do público, apenas uma troca direta e sem rodeios, poucos momentos técnicos da Arqueologia em si, influenciando este trabalho de conscientização nas futuras gerações, promovendo uma coletividade maior para que a preservação seja parte daquela comunidade. E esta ideia de grupo, está na estrutura das entrevistas do documentário, que são organizadas de maneira que cada um que contribui, colaborou com o desenvolvimento do sítio possa falar um pouco da experiência que teve durante o tempo, além dos diplomas que eram fornecidos à eles, após um curso nas universidades, na intenção que eles pudessem auxiliar o trabalho da arqueóloga, gerar trabalho, mas sem abandonar aquelas pessoas em seguida, dar a elas algo definitivo para que possam, futuramente, voltar a trabalhar com isto, caso tenham interesse.
A dificuldade que o cineasta possivelmente encontrou foi cadenciar essa longa narrativa sem que fique maçante ao público, pois a estrutura de diálogos ficou precisa, a montagem consegue saltar de um ponto ao outro sem que haja confusão quanto a ordem dos acontecimentos, então a única questão que possa ser posta é o ritmo, que como dito anteriormente, cai em alguns pontos, principalmente no meio do filme, onde as coisas já começaram a se desenvolver, tanto na história sendo contada, como a desenvoltura formal do documentário e o fervor que possui no início sofre um pequeno baque, mas que não agrava a experiência, nem a torna lenta.
As consequências das escolhas do diretor justificam parcialmente este tempo brevemente mais arrastado, mas concede uma obra sólida e concreta que transita entre a historicidade e o retrato de uma mulher que dedicou sua vida inteiro, hoje com 85 anos, à Arqueologia, tendo sempre em mente uma questão brasileira em seu foco e sendo obrigada a enfrentar tudo aquilo que aprendeu na França, que possuía um pensamento eurocêntrico, variando… Então, “Niède”, integrante do Festival É Tudo Verdade 2019, é um retrato importante de toda a História mundial, latino-americana e brasileira, deveria ser exibido em todas as salas de aula do país.