Por Fabricio Duque
Este Festival do Rio 2015 “permitiu” que duas possibilidades acontecessem sobre o novo filme (e último) filme da diretora belga Chantal Akerman (de “Histoires d’Amérique”, “The Captive”, “Je, tu, il, elle”). Na sessão (no Cine Joia) anterior a sua morte (pelo suicídio) era possível apenas resenhar sobre sua mais recente obra e na posterior (Estação Botafogo), já era inevitável uma análise póstuma de seu trabalho. É difícil discernir estas observações iniciais, visto a influência condescendente que todo e qualquer ser humano possui em frente à morte. Aqui, tentar-se-á uma opinião crítica sobre o longa-metragem em questão aqui. Vamos lá. Já no título, “Não É Um Filme Caseiro”, a documentarista (que não tinha problemas em se expor) revela um comovente retrato de seu relacionamento com sua mãe, uma sobrevivente de Auschwitz, cujo passado e ansiedade crônica tiveram enorme influência no trabalho da filha. Juntas, elas revisam suas preocupações temáticas envolvendo gênero, sexo, identidade cultural, tédio, solidão e manias. Um perfil sóbrio e profundamente íntimo de sua personagem nos meses que antecederam sua morte. Com a idiossincrasia de “filmar o tempo todo, todo mundo”, Chantal faz uma homenagem a sua progenitora, perpetuando, de forma imortal, sua existência. A narrativa corrobora suas características marcantes, seus planos estáticos longuíssimos, que tentam personificar em tela o tempo pausado da realidade, como uma árvore em uma ventania. Ela ambienta a cena prolongando o tempo da contemplação visual e pela câmera que observa, escondida, em tom bisbilhoteiro, as banalidades da vida, e conversas “caseiras” de estrutura amadora proposital (incluindo as com a webcam – para “mostrar que não há distância”). Um dos argumentos discutidos do gênero documental é que quando se liga uma câmera, a naturalidade intrínseca dos participantes deixa de existir, transmutando-se em uma encenação interpretativa da própria vida e do que se deseja transparecer. Pois é. Aqui, não poderia ser diferente, e complementado pela já conhecida técnica dos vídeos caseiros de permitir “sem limites” as imagens captadas. Na “trama”, percebemos o amor incondicional (de orgulho cúmplice, de felicidade infantil resignada e de inocência nostálgica) da mãe pela filha (que também alimenta a reciprocidade) e nos damos conta de estarmos analisando detalhes emocionais dos motivos que levaram a diretora ao suicídio. Talvez a saudade incontrolável da mãe, talvez a solidão. É bem possível, mas pode ser outra coisa. Como a aura comportamental que reverbera. Um individualismo altivo, uma necessidade de sempre ter a última palavra e a razão plena em monólogos egoístas e de pretensão existencialista. “Não É Um Filme Caseiro” é uma terapia finalista, terminal. Uma cineasta “família”, professora, que viaja o mundo, mas que nunca deixava sua mãe “dormir”. Logicamente que inferimos um ou outro momento à moda dos filmes de Naomi Kawase, pela proximidade do tema e ou pela excessiva intimidade. E ou pela mais recente película de Nanni Morretti (“Minha Mãe”). Aqui, fala-se muito e a metalinguagem da própria metalinguagem é o elemento que permeia o objetivo contextual. Concluindo, um filme conceito-íntimo-pessoal que “convida” o espectador a momentos de uma vida privada. Pode-se olhar pelo viés da pretensão e do amadorismo, mas nunca podemos deixar de dizer que não é uma obra libertadora e única.