Minha Felicidade
Naturalidade alongada
Por Fabricio Duque
Festival de Cannes 2010
“Minha Felicidade” é um filme ucraniano, dirigido pelo estreante, em longa-metragem de ficção, Sergey Loznitsa, conhecido por seus documentários, a maioria de curtas-metragens, e tem como diferencial o roteiro confuso, fragmentado em ações mínimas cotidianas, que partem da elipse temporal a fim de transpassar a trama às telas. Os planos cinematográficos são lentos, longos, reflexivos, com existencialismos brutos e instintivos, intercalando passado, presente e histórias paralelas sem a explicação narrativa. O espectador recebe a incumbência extremamente difícil de montar o quebra-cabeça e de se desapegar dos tipos humanos que passam pelo caminho. Cada um aqui possui uma “bagagem” repleta de defesas e embasamentos para provar ações cometidas e ou a cometer, mesmo que não se saiba qual é.
Sem dúvidas, “Minha Felicidade” significa uma crítica ao país, à violência desmedida – e sem sentido (às vezes apenas para acelerar o tempo passado) – da polícia, que faz o trabalho inverso de proteger. Podemos definir como uma novela, não convencional, de linearidade programada, porque há o grande final. Só que quem resolver assistir – e desafiar os entendimentos – precisará saber pelo menos a sinopse. Georgy (Viktor Nemets), um caminhoneiro pega uma saída errada numa estrada e se perde em meio à natureza selvagem da área rural da Rússia. Tentando achar o caminho de volta à civilização, ele conhece alguns habitantes locais, cada um com uma história a contar. Entre seus encontros está um amargurado veterano de guerra, uma prostituta adolescente e agressiva, muitos policiais corruptos e uma cigana misteriosa. Nessa viagem, a força bruta e o instinto de sobrevivência superam a humanidade e o senso comum, enquanto Georgy inadvertidamente segue rumo a um beco sem saída.
O protagonista vivencia uma aventura que não objetivou, mesmo sendo caminhoneiro, como se fosse uma viagem ao túnel do tempo. Um lugar perdido, inanimado, desconfiado. “O diabo nos pegou. Acontece”, diz-se tentando fornecer direcionamento ao espectador. Entre frases adjetivadas, suavizadas e contrastadas pelo dizer direto e sem preocupação do retorno verborrágico, o roteiro segue com maior lentidão, arrastando-se entre uma e outra explosão, um tiro aqui, um soco lá, uma cena de sexo meio esquisita. Enfim, trocando em miúdos, é cansativo. Como se tivessem esquecido a câmera ligada.
Confesso, que a minha maior felicidade foi o término da película. Até porque o final é a catarse de todo filme. É o momento, que o desejo, ucraniano do diretor, e também de todos nós, ganhando força e extravasando a personificação do mal necessário. Porém não havia necessidade de se alongar tanto. Com alguns cortes e agilidades, o roteiro seria mais equilibrado e mais redondinho. Concluindo, em “Minha Felicidade” faltou ao diretor o desapego na hora da montagem. São cenas soltas, muitas vezes sem conexões, que tentam enlaçar a engrenagem da história. Mas não podemos deixar de destacar a excelência das interpretações, como por exemplo, o ator Vlad Ivanov (de “Policia, Adjetivo”, “O Concerto”, “Contos da Era Dourada”), vivendo o Major de Moscou. Parece que não há interpretação. Que os atores são personagens e vice-versa. Isso faz com que a naturalidade adquira status quase de um documentário estilizado. É uma pena, porque o contexto não ajuda, indicando com fragilidade uma opinião aqui. O filme teve sessões no Festival de Cannes, com a presença de Paulo Coelho e sua bandeira brasileira estampada no casaco, e na Mostra de Cinema de São Paulo de 2010.