Curta Paranagua 2024

Crítica: Marcha Cega

Ele não

Por Vitor Velloso


Em 2018, vivemos um turbilhão de efervescência política. Atentados à democracia, impedimento do liberdade de expressão, prisões indevidas, julgamentos com caráter partidário, repressão política etc. A face da polarização nacional se dá na maneira de se manifestar que as pessoas vêm encontrando, seja com suas apologias à violência ou mesmo buscar a liberdade explicações para determinados processos penais.

Lá no início de 60, vivíamos uma situação próxima, onde a polarização, promoveu uma violenta reação na estrutura política, culminando no golpe. Não diferente do que vivemos entre 2015 e 2016, a população se dividiu, e a face da antidemocracia e do fascismo retornaram a assombrar a história brasileira.

Em consequência disso, uma hecatombe de manifestações foram eclodindo no país, culminando agora nos discursos contra o conservadorismo fascista. Explicitando que há revolta, diante de propostas retrógradas disseminadoras de ódio. Ainda que haja os apoiadores desta “ideologia”, eles são abafados por uma multidão que questiona a significação destas figuras na sociedade atual.

Neste cenário, “Marcha Cega”, chega ao circuito.

Assombrando a opressão das forças de Segurança Pública

O filme-denúncia, se inicia em 2013, quando o fotógrafo, Sérgio Andrade da Silva, perde a visão do olho esquerdo após ser, covardemente, atingido por uma bala de borracha. O espectador é mergulhado neste universo de ativismo político, mas com uma consequência, teremos que sofrer junto com seus personagens. A jornada não é fácil, reviver parte daquelas sensações é cutucar uma ferida que estamos à cicatrizar. Mas assim como a história da América Latina, o diretor, Gabriel Di Giacomo, não pode se calar diante da barbaridade sociopolítica que o Brasil enfrenta neste momento de crise. Uma das decisões estéticas do longa, é optar por não utilizar narração em off de algum elemento próprio do filme, o que gera um debate mais acirrado e intenso, já que todas as informações que temos, são as imagens de arquivo e/ou o discurso das vítimas das ações da PM em São Paulo. A legitimação das vozes, e toda sua potência, constrói todo a verve do documentário, a partir das histórias narradas pelos manifestantes.

Se em outras culturas há uma declaração de vingança a determinado indivíduo ou a intenção de calar por completo uma ideologia, eliminam-se todas as possibilidades de crescimento da mesma. Historicamente, é ciclo de violência desenfreada, porém, tratando-se de um Estado, aparentemente democrático (ainda que a palavra seja um bebê natimorto na cultura nacional), a forma de combater o ódio e a opressão é no voto. Não à toa, votar nos filhos dos algozes é perpetuar o fascismo. O Brasil passou por isso na década de 80 e 90, agora correndo o risco de repetir o erro. Di Giacomo vai à frente da luta, a fim de registrar como as ações destes ativistas políticas, reprimidos e caçados pela polícia, tiveram consequências diretas em suas vidas, com prisões, torturas, agressões. Uma das situações mais interessantes pro longa, seria a entrevista com estes policiais ou a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, porém, nos créditos finais, é dito que a produção procurou os órgãos e, obviamente, nenhum deles aceitou. Os motivos são muitos, mas a recusa é sem dúvida, medo. Em uma das falas dos entrevistados ele diz que não é apenas uma questão de despreparo, a situação é bem mais complexa que isso, pois, há um código que deveria ser seguido de como se comportar em manifestações. A PM descumpriu todos. Em suma, existe uma relação de fetiche com o poder, além, existe uma declaração de autoridade, abuso de poder. Uma possibilidade para se compreender as facetas psicológicas destas construções sociais, é enxergar onde há a necessidade de afirmação de classe ou força.

Majoritariamente, “Marcha Cega”, trata do fascismo no Brasil, da intimidação que o Estado propõe à população por meio das forças de Segurança Pública. Indo além das manifestações contra o aumento da passagem, impeachment ou ocupações de escola. É um debate sobre a refrega promovida pela mídia e pelos órgãos públicos, onde apenas há o ode aos direitos de qualquer cidadão, inclusive de poder registrar manifestações sem a obrigação de apagar as imagens após levar uma dura dos policiais ou mesmo de perder uma visão, ou para relembrar outro caso, Mateus Ferreira da Silva, estudante, 33 anos, recebeu um ataque de cassete em Goiânia em 2017, o objeto usado se partiu durante a agressão. E a parte mais infeliz deste acontecimento, que pessoas vieram nas redes sociais dizer que ele não foi agredido, chegando a utilizar para determinadas discussões que ele havia partido o cassetete com a cabeça, além de argumentarem que o lenço que utilizava no momento, era semelhante a de bandidos. Por isso, não deve existir apoio à fascistas nem aos seus filhos ou semelhantes.

Algumas escolhas de linguagem no documentário, como algumas transições na montagem para material de arquivo que soam precipitadas e cortes dentro da mesma entrevista que possui uma flexibilidade menor por conta de um rápido fade out, ainda que tenha efeito dramático, faz perder ritmo. Mas seus problemas somem diante da qualidade do discurso implementado. Um dos filmes mais importantes do ano.

4 Nota do Crítico 5 1

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