Intimidade Entre Estranhos

Progressão

Por Vitor Velloso

Durante o Festival do Rio 2018


É curioso entrar numa sessão onde não se conhece nada sobre o filme, apenas o diretor, e escutar do mesmo que ele está a dez anos para realizar o projeto, gerando uma curiosidade considerável, aliás não é todo dia que uma pessoa tenta filmar algo há tanto tempo. Começa a projeção, em menos de dez minutos já compreendo estar diante de um produto comercial sem expressão que visa apenas os números nas bilheterias e ignora completamente o processo do fazer cinematográfico. O respeito aos envolvidos deve ser mantido, porém, esta proposta de cinema é o que vocês de fato desejam fazer? Uma fetichização sexual de divergências comportamentais, parte delas relacionadas a idade, munido de um complexo de busca por uma estética minimamente vendável? Eu tenho certeza que não.

“Intimidade entre Estranhos” é baseado na música do Frejat, homônima. Na trama um romance de Maria (Rafaela Mandelli) e Horácio parece improvável, pela diferença de idade que há entre eles, além de alguns conflitos iniciais. Todo o arcabouço de clichês já consolidados pela indústria nacional e internacional, nas comédias românticas, são reutilizados na obra, com o intuito de horizontalizar a proposta. Mas a própria concepção da ideia revela fragilidades na estrutura dramática, enfraquecendo o propósito de exercício de gênero autocrítico.

Dirigido por José Alvarenga Jr. o longa busca flertar com uma tendência do dito “Cinema B” a fim de promover um espetáculo através do relacionamento destes dois personagens. Ao iniciar a ideia, vemos que as composições buscarão uma franqueza de misancene que se contrapõe ao texto que busca, constantemente, um encantamento por aquele universo estabelecido entre maria e Horácio. A divergência estética que vemos na imagem e o que se vê no roteiro contribui ao espectador concluir um tom problemático no desenrolar da história. E este é, de fato, um dos pontos chaves da análise da obra, já que ela depende diretamente de uma conexão do interlocutor e a narrativa proposta, da maneira como foi concebido, o projeto parece não entrar em harmonia. Vê-se uma construção surgir sem força, com um esforço tremendo, mas sem a capacidade de fisgar das pessoas aquilo que deseja, uma forte empatia pelo romance vivido na tela.

O moralismo brasileiro é alvo de uma das críticas feitas pelo diretor, criando pequenas passagens, ou causos, que tenta nos esclarecer visões acerca deste contato entre os dois. Sem criar um juízo de valor quanto a isso, apenas deixando mais cristalina a possível discussão que possa surgir. O que é admirável, já que ninguém deveria ir ao cinema julgar as ações de seus personagens a nível de quase romper o estado de direito criativo do roteirista. Aliás, compactuar com qualquer visão sobre a vida dos protagonistas seria uma prova da patologia mais grave do momento, falta do que fazer.

A música original de Frejat é referência ao esqueleto do texto, não apenas ao nível narrativo, também a construção que o casal possui. O personagem de Milhem Cortaz, Pedro, também se encaixa na música, como um fragmento. E aí reside uma das fraquezas da proposta de Alvarenga. Essa excessiva fragmentação da narrativa a fim de se apegar ao conteúdo original da canção, prejudica o andamento, já que abre sequências inteiras para justificar tal verso ou outro. Tal escolha prejudica o ritmo, arrastando o tempo de forma inconsciente, o que fará parte do público se queixar.

José Dumont interpreta “Seu Zé”, zelador do prédio onde os protagonistas moram. Sua subutilização chama os olhos, seu papel é mínimo da trama. Giovanna Lancellotti, Karina, é utilizada pela dramaturgia de maneira a ser um ponto de virada, sendo utilizada feito elemento de cenário na primeira metade, ganhando relevância na segunda buscando alguns rompimentos de progressão que estavam acontecendo. Não é um dos processos menos burocráticos de se alcançar este resultado, mas foi o escolhido pelo diretor. No fim, a autoria é deixada para trás, dando voz a uma indústria já saturada que busca reafirmar seu espaço nas telas dos cinemas brasileiros. O comércio já possui um retorno quase imediato com filmes feito esse, o que é compreensível. Porém, acredito que o espaço já esteja se fechando há tempos, espero que prossiga assim, para que novas ideias e concepções cinematográficas sejam vistas e debatidas.

1 Nota do Crítico 5 1

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