Mostra Um Curta Por Dia Marco mes 9

Crítica: Hanezu

Ficha Técnica

Direção: Naomi Kawase
Roteiro: Naomi Kawase
Elenco: Tohta Komizu – Takumi, Hako Oshima – Kayoko, Tetsuya Akikawa – Tetsuya
Fotografia: Naomi Kawase
Som: Hiroki Ito
Camera: Naomi Kawase
Cenários: Kenji Inoue – Cenários
Montagem: Tina Baz, Yusuke Kaneko, Naomi Kawase
Duração: 91 minutos
País: Japão
Ano: 2011
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM

 

Apresentando a SessãoA diretora japonesa Naomi Kawase veio direto do Festival de Cannes a fim de apresentar seu novo filme “Hanezu” numa concorrida exibição no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro. Ela participou como estrela principal no debate que ocorreu após o filme. No Festival de Cannes, o longa-metragem, realizado em Super 16mm, foi exibido em DCP (formato utilizado por lá). Aqui, a transposição finalizou-se em Beta Digital, letterbox (16:9).

“Os títulos que uso em meus filmes são diferentes até mesmo para os japoneses. “Hanezu” surgiu de uma ideia que tive quando li “Manyoshu”, uma literatura de poemas. O ideograma significa cor vermelha, porque esta coloração perde-se claramente e muda-se facilmente. É uma palavra que inicia uma outra ideia. Vermelho é a primeira cor que o ser humano tem consciência desde o útero”, diz Naomi Kawase, explicando o porquê da escolha do título.

A opinião

“Hanezu” conserva as características estéticas e cinematográficas de sua diretora numa historia que aborda a metafísica existencial da alma e do mundo transitório. “Homens lutam por mulheres”, a frase é narrada pela interposição de duas vozes que dizem a mesma coisa. O seu cinema busca a base, princípios, antepassados, resgates, lembranças e nostalgias. Entender o seu cinema é embarcar nos primeiros trabalhos experimentais de Naomi. O VERTENTES DO CINEMA analisa esses curtas-metragens iniciais na matéria “O Cinema de Naomi Kawase”. Tendo essa informação inicial, o espectador capta os similares elementos. A camera muito próxima privilegia os detalhes. A referida base já se encontra no início: uma obra. Não percebemos o real objetivo do filme até o final, que se traduz de forma genial e impactante. A diretora levanta bandeiras políticas e sociais com tamanha sutileza. Os simbolismos são construídos aos poucos, utilizando os elementos da natureza, acompanhados por música new age (transcendental). As imagens observam o todo para que possa ser convidada a fazer parte daquele universo (assim, invadindo a privacidade). “Deus está em tudo”, explica a diretora. Ela usa insetos, plantação, chuvas, como personagens principais. A captação desses instantes não segue uma linha simétrica, filmando de forma interativa e deixando o desfoque acontecer. As banalidades do cotidiano são recorrentes.

As tarefas caseiras (de cozinhar, de limpeza e de tingimento de lenços), as conversas sobre o nada, os momentos de carinho e de afeto, tudo procura a ingenuidade de um instante comum. Há o tempo da ação estendido, mesmo recurso usado no curta que filma a sua tia avó todo o tempo. Os ruídos – as cadeiras, as portas batendo, os copos, talheres, a água do macarrão sendo sugada pela boca do homem – são exacerbados (super ativados), gerando um desconforto proposital. É o limite que algo que se aproxima. O filme aborda as transformações de Azuka, antigo centro político e cultural do Japão, antes que a capital fosse transferida para Nara, cidade natal de Naomi. Os seus atores viveram meses no local, a fim de absorver totalmente o dia-a-dia de seus moradores. A ação gerou interpretações convincentes e naturais. Os seus protagonistas possuem o silêncio e o exagero como material de trabalho. O casal vive a sua maneira em um vilarejo. Ela anda de bicicleta. A camera afasta e acompanha. Em certo momento, a personagem abaixo, a camera bate nas folhas da árvore e continua numa sequência direta e sem cortes. Os ângulos e reflexos são incrivelmente simples.

A teia de aranha, o templo, o sol refletido no vidro do carro, o macarrão com molho – e legumes, o ninho de passarinho no lustre, o espelho para ver os filhotes, o morango sendo comido, uma criança que dá um flor. É uma vida a dois, transpassada com extrema pureza e poesia bruta. Historias, digressões, passado, presente e futuro confundem-se com retratações instantâneas de surrealismo. As elipses não são explicadas, fazendo com que a superficialidade seja o elemento principal da atmosfera exibida. “Não podemos voltar a essa época?”, pergunta-se. “Você fala igual a sua avó”, responde-se. Os instantes não se aprofundam, só retratam. Há a metáfora da ida e da volta. Os pequenos detalhes descobertos servem de peças à montagem do quebra-cabeça. O sangue dele no inicio (o artesão) é limpo por ela. O sangue dela é perdido sem avisos. A diretora quer o básico para explicar o complexo. A base para a reconstrução. “As chamas não podem ser cobertas”, diz-se. Entre mortos de fatos, de alma, de espírito, “Hanezu” é dedicado aos espíritos das almas que vivem nas escavações. É uma homenagem aos antepassados, respeitando o tempo e a existência deles. Concluindo, um filme difícil, que respeita a inteligência do espectador, inserindo inferências, metáforas, simbolismos e parábolas. Recomendo.

LEIA TAMBÉM: “Com a Palavra, Naomi Kawase”

A Diretora

Nascida em 1969, em Nara, no Japão – cidade tema e cenário de vários de seus filmes – Naomi Kawase se formou na Escola de Fotografia de Osaka onde começou a sua produção audiovisual filmando curtas em 8 mm e 16 mm (que serão apresentados durante a mostra). O fato de ter sido adotada e criada pela tia avó Uno Kawase será marcante, desde o início da sua carreira. A diretora aborda temas como a busca pelo pai (em e Céu, Vento, Fogo, Água e Terra), a relação com sua mãe de criação (em O sol poente, Caracol, Viu o sol? e Tarachime), a memória e a transformação na região onde foi criada (em Suzaku e História de gente da montanha), sempre trabalhando nos limites entre autobiografia, documentário e ficção.

NAOMI KAWASE E SEU FILHO

4 Nota do Crítico 5 1

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