Guerra Fria

Preto-e-branco é a cor mais quente

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Cannes 2018


“Guerra Fria”, do polonês Pawel Pawlikovsky, que concorre a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2018, é a odisseia de um amor musical que atravessa o tempo. Seu diretor mantém a fotografia preto-e-branco de seu anterior “Ida” e corrobora neste o processo de maturidade da força de uma mulher. É um filme poético. Cada plano representa uma pintura e uma obra de arte, conduzindo com elegância, plasticidade e simetria, numa montagem que mescla um ritmado dinamismo com silêncios naturalistas, de esperas, em hesitações, ciúmes, defesas, tudo por um controle absoluto de sua câmera, mostrada sem a arrogância do querer aparecer.

É exatamente a maestria deste longa-metragem em questão: fazer o espectador mergulhar na atmosfera de típicos concertos poloneses e ou em bares jazzistas sem perceber que está indo, como se pausasse o tempo a fim de descortiná-lo e de aproximar com o mais essencial, espontâneo e orgânico do cotidiano. É a ação da vida. Estética, teatral e influenciada. Em pouco menos de noventa minutos, “Guerra Fria” apresenta uma jornada de um impulso a uma auspiciosa calma, atravessando treinamentos vocais, aulas, épocas, passionalidades, inconsequências e paixões de um homem pelo “amor de sua vida”. É um filme de amor e sobre o amor, que se utiliza do realismo para comprovar a existência. Há entendimento da ida e da volta.

O roteiro, de Janusz Glowacki e logicamente colaborado pelo diretor Pawel Pawlikovsky, perspicaz, espirituoso, sarcástico e sem dramas sensíveis, nos faz dançar sua música, da polonesa Luna à americana Billie Holliday. De 1949 a 1964. “Guerra Fria” é uma obra que se conduz pela luz. Sua fotografia, em porta-retrato (de enquadramentos típicos de um museu), cria o momento exato de imersão a uma saudosista nostalgia de congelada ambiental temporal. É um épico de resgate social por uma crônica intimista que estudo casos e variações históricas. Ouvindo músicas de regiões, de pessoas diferentes e ritmos variados.

Com seus silêncios, suas esperas, seus enquadramentos artísticos e sua edição de ritmo cadenciado, que equilibra aprofundamento com velocidade, “Guerra Fria” é também um filme musical (pela trilha que canta a humilhação, a dor e até mesmo músicas de icônicos filmes), passando por diferentes regiões e estilos a fim de recrutar (à moda das audições de um “The Voice” totalmente fugido dos padrões americanizados) talentos perdidos de canto e dança, à busca de “a voz dos anjos”. Nós somos ambientados em uma elegância cultural, que procura energia e espírito. Metáfora e uma inteligente zoação.

É uma história de amor entre duas pessoas de origens e temperamentos diferentes, que são fatalmente incompatíveis e ainda assim fatalmente condenadas um ao outro. Tendo como pano de fundo a Guerra Fria dos anos 50 na Polônia, Berlim (“Alemães continuam alemães”), Iugoslávia e Paris, o filme retrata uma história de amor impossível em tempos impossíveis. De Zula (Joanna Kulig) e Wiktor (Tomasz Kot). Com perspicácia, sarcasmo, “Festival da Juventude” e planos-poesia (em uma irretocável e impecável direção de arte), como quadros em movimento de um concerto coral. É a odisseia de um amor contada por elipses. Que aceita a incomunicabilidade e a postergação. Uma pura polca “passional, jovem e inconsequente que chama a atenção”, critica-se.

A Guerra Fria foi o período histórico de competitivas disputas estratégicas e conflitos indiretos entre Estados Unidos e União Soviética, a Rússia de agora, no final da Segunda Guerra Mundial até 1991. É chamada “fria” pela “falta” de uma guerra real, visto que se acontecesse seria por uma batalha nuclear (“nas estrelas”), assim não sobraria pedra sobre pedra e ninguém para contar a História.

“Guerra Fria” é analiticamente maduro, principalmente por auto-críticas e pela tradução exata do que se está de errado. De tipicidade do costumes. Ou beber e “perder a vergonha”. Tudo é para ela. Dele. A depressão é inevitável. Destrutibilidade e tristeza. Ainda que com um disco gravado. Entre fades passagens de tempo, catarse no piano, Hollywood Bowl em Los Angeles, subornos, quinze anos, nós espectadores nos questionamos qual o limite do amar. Até onde ir para manter a paixão acesa? Mesmo que o universo ao redor, hostil e politicamente egoísta, faça de tudo para destruir este relacionamento? “Guerra Fria” é um filme quente. E em preto-e-branco.

4 Nota do Crítico 5 1

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