Festival Curta Campos do Jordao

Crítica: Ferrugem e Osso
Um Diamante Lapidado 
Durante a Própria Exibição

Por Fabricio Duque

Definitivamente, “Ferrugem e Osso” é um filme de autor pela incontestável competência do cineasta Jacques Audiard, que divide a elaboração do roteiro com Thomas Bidegain. O diretor é reconhecido pelos filmes “O Profeta”, “De Tanto Bater, Meu Coração Parou”, “Instituto de Beleza Vênus”) e sabe muito bem contar um história, prendendo a atenção pelo conteúdo e respeitando a inteligência e perspicácia do espetador. Uma das características de seu cinema é o realismo elevado à quinta potência, mitigando qualquer subterfúgio da suavização para com a sociedade. O longa-metragem em questão aqui foi indicado a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2012, ovacionado nas exibições do Festival do Rio e indicado na categoria de Melhor Atriz no Globo de Ouro deste ano. Traduzindo em miúdos, é um soco no estômago, principalmente pela crueldade do posicionamento da câmera. Não satisfeito com a simples retratação cinematográfica, Jacques quer a cumplicidade sinestésica de quem assiste.  A brutalidade na sua forma mais pura atinge os personagens: a luta sem regras, o acidente inesperado, as reviravoltas do caminho. E o que a vida fornece? Soluções que precisam ser digeridas e trabalhadas a fim de se preencher o vazio egoísta que cada um cria, como defesa patética do medo ululante, por causas das constantes investidas transitórias do universo. Assim, o ser humana obriga-se a vencer estes obstáculos, livrando-se das idiossincrasias massificadas com o tempo e ou aprendendo a conviver com novas limitações impostas. A resignação vira resiliência. A reclamação pelo sofrimento transforma-se em desafio. Foram escalados atores que se mostram mais e mais flexíveis a interpretar qualquer papel, a protagonista Marion Cotillard e o ator principal Matthias Schoenaerts. Os dois expressam uma naturalidade química, englobando aos coadjuvantes. A conexão interpretativa confronta o preconceito (e vitimização) dela com a impulsividade de agir dele. Os dois trocam experiências, desejos, instintos, julgamentos dos outros e acima de tudo quebram as “possíveis” definições pré-moldadas do que realmente se pode fazer em um pós-acidente-tetraplégico. O cuidado com a parte técnica é outro tópico importante na carreira do diretor. É cirúrgico. A fotografia ensolarada e workaholic busca a esperança não clichê (e sim pé no chão: normal, direta, sem florear). A música do craque de carteirinha, Alexandre Desplat (de “A Árvore da Vida”). E quanto aos efeitos especiais, eu conto com um toque pequeno de spoiler: nós, espectadores, acreditamos mesmo que a personagem não possui as pernas (alguns desavisados acharão que a atriz também não tem, devido ao incrível que fizeram). Concluindo, um filme que incomoda no tema (positivamente) e também por perder o equilíbrio narrativo em alguns momentos (seria um dos contras, mas por favor acredite, não atrapalha em nada o contexto totalitário). Não há compaixão quando Ali, sem domicílio, sem dinheiro e sem amigos, encontra e ajuda, da maneira dele, Stéphanie, uma domadora de orcas no Marineland. A ida ao cinema gera o questionamento existencial de cada um de nós e vale cada centavo gasto. Imperdível!

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