Curta Paranagua 2024

Crítica: Exorcismos e Demônios

Trem fantasma enfadonho

Por Bruno Mendes


Os desafios criativos são enormes dentro do terror, talvez maior até que em outros gêneros. Basicamente ao longo de boa parte de sua história, o cinema já assustou – ou tentou assustar – gerações explorando temáticas sombrias. Não é exagero pontuar que o abuso de fórmulas narrativas padrões e truques imagéticos/sonoros similares, associado ao amadurecimento do público definhou o seguimento. Nas últimas décadas surgiram poucas obras capazes de transportar o espectador para um “lugar” aterrador e provocar calafrios ou quiçá indagações de caráter religioso. E é a recorrente falta de inspiração que coloca “Exorcismos e Demônios” (dirigido por Xavier Gens) na concorrida gaveta dos “mais do mesmo”.

O história é básica e muito perto do que já foi mostrado em exaustão. Após a prisão de um padre acusado de assassinar garota em sessão de exorcismo, a jornalista Nicole (a atriz Sophie Cookson) viaja para região rural da Romênia com o objetivo de averiguar os fatos. A pergunta inicial é simples: o religioso matou uma pessoa mentalmente doente ou a morte ocorreu em decorrência de possessão demoníaca? Ao conversar com moradores amedrontados e desconfiados, percorrer em velocidade baixa pela típica cidade irreal,comum em filmes medonhos(ou “medonhos”), e sair investigando no melhor estilo “tudo para conseguir uma boa história”, a jornalista precisará lidar com desafios inimagináveis.

O preguiçoso flashback utilizado para expor o passado da jovem morta e com o objetivo de clarear a compreensão dos fatos para a protagonista não tem outra serventia narrativa senão assustar o espectador de maneira gratuita e completamente desconectada da ambição de “obra séria” que estava sendo construída.

Curiosamente um dos produtores do filme é Peter Safran, responsável por “Anabelle” e pelo eficiente “Invocação do Mal”, longa que economizou ao máximo os truques batidos e explorou com louvor a elaboração da atmosfera demoníaca, a tal “aura” tão em falta nos exemplares recentes. O exemplo não é seguido no trabalho de Gens. Exorcismos e Demônios não tem aura nem alma. As convenções referentes aos filmes de possessão e até mesmo aos demais do subgênero horror são expostas sem zelo:personagens sendo arremessados, insetos-coisa-ruim,espelhos para sugerir algo, jumpscares (técnica usada para provocar sustos por intermédio do aumento abrupto da trilha e mudança de imagem) e por aí vai. Alguém aí já passeou no trem fantasma? Então…

E se neste ‘trem’prevalece o tom de seriedade na narrativa, a falta de carisma do elenco contribui para soterrar qualquer ambição dos realizadores. Sem força para segurar a personagem de maior relevância em cena, Sophie Cooksonem nenhum momento oferece consistência dramática necessária às situações-limite encenadas. Os demais atores seguem no piloto automático basicão e se não comprometem ainda mais o filme, validam-se mais como figuras alegóricas de um projeto enfadonho por uma série de razões.

A pífia construção da protagonista e os consecutivos desdobramentos do enredo estão nesse grupo de razões . O enredo inicialmente expõe Nicole como uma pessoa incrédula e introspectiva, que tenta seguir uma linha de investigação por critérios próprios e alguma dose de intuição, até aí tudo bem. Contudo, quando no seguir dos trilhos ela precisa lidar com questões pessoais de natureza familiar e é “cobrada”, por um padre com o qual estabelece laço, a restabelecer a fé, a obra segue por tedioso caminho moralista. Ainda que tímido, o “convencimento religioso” ratificado é mais um chavão que até remete vagamente ao horroroso e ofensivo “Deus não está morto” (arrisco dizer que é o filme mais maniqueísta de todos os tempos).

Exorcismos ainda perde a oportunidade de envolver o espectador em atmosfera naturalmente assustadora pois no último ato há o infeliz predomínio daqueles cortes abruptos típicos de um filme de ação. E nesse defeituoso mundo ficcional o demônio e seus múltiplos poderes torna-se uma figura menor, quase desprezível.

Menção narrativamente desnecessária a um sexo proibido (ou não), personagens subutilizados, sequências de horror mal elaboradas, sustos rápidos, medo zero. Exorcismos e Demônios é uma sucessão de erros que não conduz o público à apreensões profundas.

Pensa bem, o sujeito que sofre de acrofobia é capaz de vibrar quando o herói salta de prédio em prédio e do mesmo modo, o mais convicto ateu pode morrer de medo ao assistir a filmes de possessão na calada da noite. São nestes níveis que os bons filmes suspendem a descrença e transportam cada um de nós para universos específicos.

Não é o caso de Exorcismos. O filme de Xavier Gens repete os vícios de trocentos produtos similares e por uma hora e meia aborrece. Sono!

1 Nota do Crítico 5 1

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