Trem fantasma enfadonho
Por Bruno Mendes
Os desafios criativos são enormes dentro do terror, talvez maior até que em outros gêneros. Basicamente ao longo de boa parte de sua história, o cinema já assustou – ou tentou assustar – gerações explorando temáticas sombrias. Não é exagero pontuar que o abuso de fórmulas narrativas padrões e truques imagéticos/sonoros similares, associado ao amadurecimento do público definhou o seguimento. Nas últimas décadas surgiram poucas obras capazes de transportar o espectador para um “lugar” aterrador e provocar calafrios ou quiçá indagações de caráter religioso. E é a recorrente falta de inspiração que coloca “Exorcismos e Demônios” (dirigido por Xavier Gens) na concorrida gaveta dos “mais do mesmo”.
O história é básica e muito perto do que já foi mostrado em exaustão. Após a prisão de um padre acusado de assassinar garota em sessão de exorcismo, a jornalista Nicole (a atriz Sophie Cookson) viaja para região rural da Romênia com o objetivo de averiguar os fatos. A pergunta inicial é simples: o religioso matou uma pessoa mentalmente doente ou a morte ocorreu em decorrência de possessão demoníaca? Ao conversar com moradores amedrontados e desconfiados, percorrer em velocidade baixa pela típica cidade irreal,comum em filmes medonhos(ou “medonhos”), e sair investigando no melhor estilo “tudo para conseguir uma boa história”, a jornalista precisará lidar com desafios inimagináveis.
O preguiçoso flashback utilizado para expor o passado da jovem morta e com o objetivo de clarear a compreensão dos fatos para a protagonista não tem outra serventia narrativa senão assustar o espectador de maneira gratuita e completamente desconectada da ambição de “obra séria” que estava sendo construída.
Curiosamente um dos produtores do filme é Peter Safran, responsável por “Anabelle” e pelo eficiente “Invocação do Mal”, longa que economizou ao máximo os truques batidos e explorou com louvor a elaboração da atmosfera demoníaca, a tal “aura” tão em falta nos exemplares recentes. O exemplo não é seguido no trabalho de Gens. Exorcismos e Demônios não tem aura nem alma. As convenções referentes aos filmes de possessão e até mesmo aos demais do subgênero horror são expostas sem zelo:personagens sendo arremessados, insetos-coisa-ruim,espelhos para sugerir algo, jumpscares (técnica usada para provocar sustos por intermédio do aumento abrupto da trilha e mudança de imagem) e por aí vai. Alguém aí já passeou no trem fantasma? Então…
E se neste ‘trem’prevalece o tom de seriedade na narrativa, a falta de carisma do elenco contribui para soterrar qualquer ambição dos realizadores. Sem força para segurar a personagem de maior relevância em cena, Sophie Cooksonem nenhum momento oferece consistência dramática necessária às situações-limite encenadas. Os demais atores seguem no piloto automático basicão e se não comprometem ainda mais o filme, validam-se mais como figuras alegóricas de um projeto enfadonho por uma série de razões.
A pífia construção da protagonista e os consecutivos desdobramentos do enredo estão nesse grupo de razões . O enredo inicialmente expõe Nicole como uma pessoa incrédula e introspectiva, que tenta seguir uma linha de investigação por critérios próprios e alguma dose de intuição, até aí tudo bem. Contudo, quando no seguir dos trilhos ela precisa lidar com questões pessoais de natureza familiar e é “cobrada”, por um padre com o qual estabelece laço, a restabelecer a fé, a obra segue por tedioso caminho moralista. Ainda que tímido, o “convencimento religioso” ratificado é mais um chavão que até remete vagamente ao horroroso e ofensivo “Deus não está morto” (arrisco dizer que é o filme mais maniqueísta de todos os tempos).
Exorcismos ainda perde a oportunidade de envolver o espectador em atmosfera naturalmente assustadora pois no último ato há o infeliz predomínio daqueles cortes abruptos típicos de um filme de ação. E nesse defeituoso mundo ficcional o demônio e seus múltiplos poderes torna-se uma figura menor, quase desprezível.
Menção narrativamente desnecessária a um sexo proibido (ou não), personagens subutilizados, sequências de horror mal elaboradas, sustos rápidos, medo zero. Exorcismos e Demônios é uma sucessão de erros que não conduz o público à apreensões profundas.
Pensa bem, o sujeito que sofre de acrofobia é capaz de vibrar quando o herói salta de prédio em prédio e do mesmo modo, o mais convicto ateu pode morrer de medo ao assistir a filmes de possessão na calada da noite. São nestes níveis que os bons filmes suspendem a descrença e transportam cada um de nós para universos específicos.
Não é o caso de Exorcismos. O filme de Xavier Gens repete os vícios de trocentos produtos similares e por uma hora e meia aborrece. Sono!